Arte -Jorge Luiz Silveira
Conteúdo referente ao Projeto Vivendo a História
1558 foi o ano em que nasceu o quinto
filho de uma antiga família de goushis, isto é, fidalgos rurais, do norte da
província de Bizen, Yoitochi no Daigoshi cresceu com a polida educação que esta
classe tentava reproduzir, imitando as nobres famílias samurai. Sua família
cuidava de suas terras e suas finanças, gerenciava todos os indivíduos que
habitavam em seu território, cultuavam as divindades que abençoavam sua região
e respeitavam as doutrinas budistas.
Daigoshi estudou profundamente a
história do Japão, sua religião, sua geografia, sua escrita e sempre possuiu um
interesse pelo conhecimento e pela contemplação do universo. Sempre buscava junto
dos sábios monges do templo de Okayama o caminho para os conhecimentos que ele
almejava e conversava com eles durante horas. Quando Ukita Naoie buscou, junto
aos seus vassalos, possíveis candidatos para trabalharem no castelo, Daigoshi
foi um dos que se disponibilizou para servir ao seu clã. Em 1575 mudou-se para
a capital, que estava sendo reconstruída e ampliada por conta dos novos cargos
que o castelo estava requisitando.
Aprimorou muito dos seus
conhecimentos com o tempo e dedicou sua juventude ao Shodō, isto é,
literalmente, o Caminho da Escrita, mas praticou também o desenho e a aquarela.
Com sua inigualável memória aprendeu mais de dois mil kanji diferentes e passou
a executá-los com a determinação de um verdadeiro artista. Começou também a
ensinar o jovem Hideie, filho de seu senhor, nesta arte e depois os filhos
deste.
Aos vinte e dois anos, já casado,
tendo realizado a pintura dos kanji que seriam usados numa honraria à visita de
certo senhor ao palácio dos Ukita, um monge que o acompanhava procurou saber
quem havia escrito tais palavras. Ao se encontrarem, feitas as devidas
apresentações, o monge pediu permissão para observar outros trabalhos que Daigoshi
havia feito. Honrado pela admiração de sua arte, prontamente levou-o ao seu estúdio,
metodicamente organizado.
O monge observou quando Daigoshi trouxe
algumas de suas mostras de caligrafia, pareceu avaliá-las e disse que eram
"extraordinariamente precisas". Recebendo como um elogio, Daigoshi agradeceu.
O monge pediu permissão para usar seu papel, pincel e tinta, e quando lhe foi
permitido, o fez. E escreveu, mantendo a extremidade do pincel presa suavemente
entre as pontas de seus dedos.
O resultado deixou Daigoshi boquiaberto.
A beleza, a leveza e paz que aqueles kanji transmitiam eram intraduzíveis,
senão pela observação propriamente dita de suas linhas negras sobre o papel. Ao
questionar o monge sobre o que ele tinha para lhe ensinar, sua resposta foi
rápida: Nunca pense que seu aprendizado está completo, e faça de sua vida uma
busca constante, e de suas experiências a tinta para pintar sua arte.
Tocado pelas palavras daquele
monge Daigoshi passou a frequentar mais os templos budistas, e a meditar mais. Aprendeu
a viver a vida em sua plenitude e a apreciar cada um de seus momentos. Teve
duas lindas filhas, que têm, agora, doze e nove anos. Aprendeu a esvaziar a
mente para deixá-la preencher-se. Aprendeu a usar o silêncio como um papel em
branco...
No tempo em que Hideie estava
ausente junto dos homens de Bizen por conta da Batalha de Sekigahara Daigoshi contou
aos filhos de seu senhor o que o monge havia lhe dito naquele dia. E depois
levou-os para o jardim onde pintariam gigantescas telas de palavras
reconfortantes no aguardo do retorno de seu pai. Mas naquela mesma noite a
chuva as lavou, e na manhã seguinte Kobayakawa Hideaki batia nos portões. E os
kanji choravam.
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