Arte - Jorge Luiz Silveira
No ano de 1574 nasceu em Kyoto
uma criança frágil, de uma mulher muito pobre que havia sido violada por um
soldado vil qualquer, que passava pela cidade. E, ao completar cinco anos,
tendo o marido dela notado que o garoto não se parecia em nada com ele,
obrigou-a a contar a verdade sobre o ocorrido. Furioso e envergonhado ele
começou a beber e sua mulher, apavorada, levou a criança para o quarto. O
garoto escutou os gritos da discussão e coisas quebrando. Até não ouvir mais
nada. Ele chorou aquela noite no quarto, esperando que alguém viesse buscá-lo.
Mas isso não aconteceu.
Na manhã seguinte, faminto, foi
até a cozinha, onde o corpo de seu pai jazia sem vida no chão, sobre uma poça
de sangue. Sua mãe estava coberta com a mesma matéria vermelha e pegajosa, com
uma faca nas mãos. Ela havia se suicidado.
Perdido na grande cidade
imperial, a princípio permaneceu em sua casa, mas logo a percebeu sendo
invadida por bandoleiros e bêbados que, quando por sorte, ignoravam sua
presença, bagunçavam a casa, e usavam-na como bem entendiam. Era um casebre no
subúrbio da cidade, não entendia o que seu pai fazia, pois ficava sempre com
sua mãe, aprendendo a cuidar da casa, e seu pai nunca gostou muito dele. Quando
bandoleiros começaram a expulsá-lo de lá, a comida já era conseguida apenas
através de esmolas que pedia nas casas.
Contudo, a época das guerras
trouxe uma crise para os mercadores, e os preços já não eram acessíveis para um
mendigo, como ele. E, sem pensar nas consequências, começou a roubar para
comer. Até que, uma vez, quando fora pego por um vendedor de Manju, roubando um
de seus pãezinhos doces, um samurai pagou por ele e disse para que comesse o
quanto quisesse. Ele apresentou-se, chamava-se Hattori Hanzō, e perguntou a
história do menino. Perguntou se ele não gostaria de ir morar com ele. Poderia
arranjar-lhe um emprego e uma vida digna, se ele se esforçasse, e assim
desejasse. Perdido nas suas próprias convicções não soube responder outra
coisa, a não ser: "Por favor, me leve com o senhor!"
Hanzō não era da capital, mas de
Iga, que ficava bem próxima, e levou o garoto para lá. Contudo, chegando lá, o
menino aprendeu que existem dois tipos de homem: Os que temem a escuridão, e os
que tiram proveito dela. O vilarejo para o qual Hanzō o havia levado, nada mais
era, que um vilarejo shinobi, onde treinavam a céu aberto as artes de
espionagem, sobrevivência, combate e dissimulação. Muito do que ele já havia
experimentado, tendo que lidar com os homens e cachorros nas ruas de Kyoto, nos
meses que passou habitando-as junto dos ratos.
Em dois anos já despontava entre
os demais garotos da vila, e passaram a chamá-lo de Kurayami no Ko, que
significa: filho da escuridão. Havia uma hierarquia entre os membros
praticantes do ninjutsu e lá ele soube que Hanzō era a cabeça do clã Hattori,
mas quase nunca estava lá, por que era guarda-costas de Tokugawa Ieyasu. Seu
treinamento consistia em técnicas de espionagem, assassinato, primeiros
socorros, combate discreto, longas corridas e escaladas, movimentação
furtiva... Via também outros shinobi de lá treinando diversas artes, que
serviriam mais tarde como possíveis disfarces para eles. Ninjas eram
contratados por pessoas de fora para exercerem seus mais diversos papéis, de
acordo com as ordens de seus senhores.
Para a desgraça de todos, naquele
ano Oda Nobunaga enviou tropas para acabar com este e outros clãs shinobi,
forçando os poucos sobreviventes a escapar como pudessem, e buscar em outras
regiões abrigo. Ele refugiou-se numa academia em Kyoto, por ordens de Hanzō,
adotou o nome Okura, e lá continuou seu treinamento, disfarçadamente, servindo
a um desagradável mestre de Sumō, um grande shinobi, estrategista e assassino,
mas altamente repulsivo e intolerante.
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