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25 de maio de 2014

História - Hillforts, para pacificar ou controlar? (Última Parte)



Hillforts: Guerra e Simbolismo


            Armit chama a atenção dos autores que desincorporam a guerra do todo social e cultural, apontando o terrível equívoco que seria estudar uma coisa separada da outra.[1] Se a guerra, como os autores afirmam, faz parte, com tanta intensidade, da vida de todos, seria estranho se estas obras colossais estivessem completamente desligadas, ou não estivessem profundamente ligadas a ela, pelo menos no primeiro momento. A sua construção provavelmente serviu para atender a uma forma de fazer guerra muito específico da sua sociedade. E suas fortificações e seus elementos foram sendo alterados conforme sua necessidade ia se modificando, fosse por alterações na forma de fazer guerra, ou outras questões sociais e econômicas.

Celtas enfrentando romanos (meramente ilustrativo)

            D. W. Harding, em sua obra, cita James que confirma nossa perspectiva de que:

"a 'situação padrão' na Idade do Ferro não era nem paz nem guerra, mas insegurança crônica, em que o papel do Hillfort como um impedimento para os agressores, entre suas outras funções, foi, sem dúvida, significativo"[2]

            Este medo deveria se dar também pela naturalidade dos saques que tinham lugar nas terras alheias. Os estilos de combate mais prováveis em sociedades sem estado, como mostra a etnografia e Ian Armit, em seu trabalho, eram as emboscadas e assaltos velozes, envolvendo saques.[3] Por isso, faz sentido que os Hillforts tenham sido erguidos para enfrentar justamente este tipo de incursão militar, já que suas valas e sua posição, normalmente elevada, além das entradas, muitas vezes, labirínticas, impedem que um grupo de homens, se já não for avistado à distância por algum indivíduo dentro do Hillfort, entre e saia dele discretamente e sem maiores complicações.

Funda
            Além disso, é possível extrair dos Hillforts e de algumas evidências arqueológicas a possibilidade de vê-los como uma arma, não só como uma defesa. Uma arma psicológica, uma arma social e política. O tamanho que possuem, a alteração que causam na paisagem, a dificuldade que impõe ao que antes seria um 'simples' saque. Pensar também, que atacar um Hillfort signifique mostrar-se hostil para uma imensa região intimamente relacionada, social, econômico e/ou política e militarmente. Além disso, em diversas sociedades usa-se os corpos dos oponentes derrotados para atemorizar os demais inimigos. Será que os Celtas também não fizeram isso?

"A evidência de Manching, Glastonbury, Acy-Romance, e muitos outros assentamentos sugere que rituais envolvendo corpos humanos - vivos ou mortos - desempenharam um papel significativo nas atividades de assentamento no final da Idade do Ferro."[4]

            Muitas críticas foram feitas ao valor militar que os Hillforts possuíam, como a falta de fontes de água dentro deles, por exemplo. Mas, se pararmos para pensar, um cerco à uma estrutura como Maiden Castle, além de requerer muitos homens para fechar o perímetro dele, exigiria um tempo e uma motivação que talvez eles não possuíssem, pois dependiam da agricultura e dos ciclos de plantio e colheita para terem alimento nos anos vindouros. O Hillfort se apresentava mais como um baluarte temporário, pronto para momentos de crise, do que uma defesa constante, por isso não se preocupar com tamanho preciosismo em sua guarnição. Até por que, as estratégias de guerra não surgem de um dia para o outro... Talvez tenha sido mesmo por conta de ser mal guarnecido militarmente que as mais diversas formas de cerco tenham surgido, e posteriormente começaram a preparar-se melhor para isso.

            Outros Hillforts, especificamente tiveram sua realidade militar duramente questionada, por conta de sua péssima localização, como o de Chesters, próximo de Drem.[5] Ele está abaixo de uma colina próxima, que permitiria que um grupo de fundibulários alvejasse seu interior impiedosamente, porém este e outros Hillforts, podem ter uma função diferenciada, uma questão mais subjetiva que os envolva.

Enterramento: Guerreiro com sua Espada
            Contudo, antes de tratar destas questões devemos pensar também nas possíveis respostas para a afirmativa crítica de alguns autores sobre o fato de haver pouca evidência arqueológica de ataques em Hillforts como apontam, principalmente Bowden e McOmish, descaracterizando sua capacidade militar.[6] Primeiro, utilizando a resposta que o próprio Armit dá em seu texto, parece que tem havido uma má interpretação dos enterramentos, pois as críticas eram que menos de metade das ossadas possuíam traumas graves decorrentes de conflitos massivos. Armit responde, então, fazendo um paralelo com as guerras com os Índios na América do Norte no século XIX, onde não mais do que um a cada três ferimentos deixariam uma marca identificável no osso.[7]

            Uma segunda possibilidade, que não nega a primeira, é que, decorrente de uma cultura, um ritual de guerra, particular destas comunidades, possa criar um cenário onde o massacre não seja um acontecimento tão provável. Por exemplo, Barry Cunliffe em sua obra trata de uma guerra que pode ser travada individualmente, num enfrentamento de "heróis", baseado num escrito de Diodorus Siculus, que descreve dois chefes militares Celtas se enfrentando, mesmo que, posteriormente, ele diga que isso possa ocorrer mais de uma vez, até mesmo dando ensejo a um enfrentamento geral.[8]

Guerreiro em Carro de Guerra
            Retomando a questão subjetiva sobre os Hillforts que tinha deixado de lado; Uma terceira opção, que não nega nenhuma das outras, poderia ser ainda uma real diminuição dos conflitos abertos entre regiões e/ou comunidades próximas, por conta, talvez, de um possível aumento da densidade das redes de relações inter-comunais. Agora que estamos falando da idade do Ferro Média e Tardia podemos considerar o crescimento da movimentação de bens, uma concentração maior de recursos nos centros políticos e econômicos e o surgimento de centros de comércio, de produção e de trocas, sejam eles os Hillforts ou não, e logo redes cada vez mais complexas de interação.
Torque de Ouro
 
            Digo isto, por que talvez aquilo que vimos sobre a formação das elites, que poderiam ser tentativas de uma concentração de poder por determinado segmento daquela comunidade, somado a todas estas transformações que ocorreram basicamente em simultaneidade, tenha sido a conjuntura que permitiu àquela elite se distinguir dos demais segmentos das comunidades. Talvez por conta dos novos contatos internacionais, ou das próprias relações com antigos segmentos da comunidade que tenham se seccionado e passado para uma região de dependência, ou por conta do controle de uma nova forma de manufatura, metalurgia talvez, ou de determinados bens, simbologias, terras...

Conclusão

             Neste artigo, então, tento, através das teorias vigentes, pensar em algumas outras possibilidades para a apreensão simbólica dos Hillforts, considerando que sua faceta militar já esteja mais do que comprovada. Observando os movimentos sociais de elevação de determinadas figuras, as guerreiras, por conta, possivelmente, dentre outros fatores, de um verdadeiro vácuo de poder criado por um desconforto social decorrente do perigo iminente no qual viviam. Pouco a pouco a comunidade deve ter cedido espaço a determinados grupos que coordenaram a defesa da comunidade, ao mesmo tempo que coordenaram uma ascensão social.

            Compreendemos que, neste contexto de disputas internas e de uma certa expectativa de paz, determinado grupo, através do longo tempo de construção dos Hillforts e da apropriação e compreensão de todo seu simbolismo, teve de começar a fazer seus acordos políticos, estabelecer alianças, o comércio estrangeiro. Afinal, se não fosse assim, talvez no tempo de construção de um Hillfort um grupo inimigo massacrasse toda uma comunidade. 
Barbury Castle Hillfort

            E, por isso, os Hillforts foram significativos, não só pela proteção que estava agora se interpondo entre a comunidade e seus inimigos, mas também enquanto construção social e política. Deve ter havido um gerenciamento, especializações, uma mão de obra colossal, uma participação ativa da comunidade na produção de algo comum, que pode ter sido apropriado pouco a pouco pelo espírito comunitário, ao mesmo tempo que pode ter servido de base para uma elevação social de uma pequena parcela da população e uma acentuação da desigualdade no seio da comunidade. 

            Não se deu à toa a disseminação destes Hillforts. Muitos, certamente, não se tratavam de defesas, mas sim de uma demonstração de prestígio, que era o que eles passavam a significar, seja para os outros seja para a própria comunidade e para a elevação de sua motivação.     E não faria sentido que assim fosse se eles não tivessem passado a possuir toda esta carga simbólica, que acreditamos que eles tenham adquirido, sem perder de vista seu valor prático de defesa, de encontro e de dispersão, de controle e de pacificação, através da imposição física e simbólica. Mas a paz não deve ter sido atingida com eles, pelo contrário, é quando surgem as elites que costumam haver as maiores guerras.

            Mas não ousaria afirmar isso.


[1] ARMIT, Ian. Hillforts at War: From Maiden Castle to Taniwaha Pā. Pg. 25
[2] JAMES, S. A bloodless past: the pacification of the Early Iron Age. 2007 (T.doA.) - Trecho retirado do texto do D. W. Harding.
[3] ARMIT, Ian. Hillforts at War: From Maiden Castle to Taniwaha Pā. Pg. 35
[4] WELLS, Peter S. The Iron Age. (T.doA.) Pg. 448
[5] Idem. Pg. 30
[6] BOWDEN, M. & MCOMISH D. The required barrier. 1987 - Retirado do texto do Ian Armit.
[7] ARMIT, Ian. Hillforts at War: From Maiden Castle to Taniwaha Pā. Pg. 32
[8] CUNLIFFE, Barry. Ancient Celts.Pg. 101-102

18 de maio de 2014

História - Hillforts, para pacificar ou controlar? (Segunda Parte)



Conflitos e Sociedade


"Todas as sociedades possuem padrões intrínsecos de conflito e modos culturalmente específicos de lidar com eles [...] através de várias combinações de violência, submissão, negociação ou fuga"[1]



The Kirkburn Sword

            Não creio que a sociedade estudada aqui seja diferente. É inegável, através dos diversos materiais arqueológicos de cunho belicoso encontrados, estudados e catalogados, como as armas, as panóplias guerreiras, os carros, as estatuetas com motivos guerreiros e as diversas fortificações criadas, que estamos lidando com um grupo de indivíduos que tem em seu horizonte, em grande medida, a guerra.[2]


            Mais do que isso, acredito, assim como Armit e diversos outros autores, que, para estas sociedades, a guerra, ou a sua ideia, fazia parte constante de suas vidas, sem que uma pudesse descolar-se da outra e por isso, talvez, sem que eles conseguissem imaginar um cenário onde ela não estivesse presente. Sendo assim, é fácil supor que comunidades conflitantes buscassem uma forma de viver suas vidas com uma segurança maior, já que fugir plenamente das mais diversas formas de conflito parecia ser impossível.


            Como Peter Wells afirma em seu trabalho[3], talvez toda a energia despendida em preparação e representação militar tenha resultado, ou tenha tido como expectativa de resultado, evitar o real conflito. Isto pode ir ao encontro das teorias de pacificação dos Hillforts, coadunada com as críticas à teoria defensiva/militar que se baseia, por exemplo, na falta de grandes enterramentos e/ou vestígios de massacres ou guerras mais expressivos. Contudo, e é aqui que começam as singularidades deste trabalho, creio que, esta constante tentativa de pacificação, ou, antes mesmo, da manutenção da segurança da comunidade, por iniciativa gradual, e talvez não completamente consciente, da própria sociedade, pode ser o que dá espaço e ensejo para a formação de uma elite social hegemônica, capaz de coordená-la para a efetivação deste desejo comum e dos próprios desejos privados.


Chertsey Shield

            Considerando que Hill tenha razão ao afirmar que as evidências arqueológicas falham em comprovar plenamente as interpretações profundamente hierarquizantes da sociedade celta britânica[4], e afirmando que uma elite dominante ainda não exista de forma consolidada teriam que ser justificados todos os enterramentos ricamente aparelhados nos mais diversos sítios, tidos, pela maior parte dos autores, como provas da existência de uma classe dominante.


            Esta classe à qual me refiro seria representada por um grupo mais abastado, formado principalmente de guerreiros e possuidor de um poder capaz de controlar, julgar e punir, coordenar e explorar de diversas formas os demais membros da comunidade, que passaria a ser ilustrada de forma cada vez mais triangular, no que diz respeito ao distanciamento social, onde um pequeno grupo deteria o poder de decisão e controle, e uma grande massa serviria à manutenção da reprodução não só de si mesmos mas também de tal classe economicamente menos participativa da produção.


            Bem, para responder a esta questão trago algumas sugestões: A primeira delas, se apoia no trabalho do próprio Hill, já que ele afirma, de forma muito lúcida, que nem todas as sociedades na Inglaterra e na Irlanda devem ter pertencido, simultaneamente e/ou da mesma forma, à sociedade praticamente não hierárquica que ele propõe[5], e tenham alcançado uma hierarquização mais ou menos anterior decorrente dos mais diversos fatores. Sendo assim, não é destas sociedades que tratamos, pois elas possuem um conjunto de realizações que as levou a isso, por questões diversas, e que, portanto, as excluem deste modelo que proponho.


The Battersea Shield

            Uma segunda resposta, que se insere em nossa proposição é a de que tais deposições junto aos mortos, em seus enterramentos, assim como as ritualísticas em lagos, rios e outros sítios, não necessariamente indiquem a guerra propriamente dita, nem mesmo o distanciamento social caracterizador das elites, como as definimos, mas uma valorização da figura guerreira que, incluída naquela sociedade num sentimento de conjunto e paridade, mereceu ou poderia ter merecido destaque por conta de ações tomadas em prol da comunidade, como a defesa contra inimigos, ou a expansão do território, ou qualquer outra ação ligada à esta figura e à manutenção da segurança e dos interesses do grupo.


            Deve ficar claro que não proponho aqui uma sociedade pacífica, ou que evitou o conflito, pelo contrário, tento delinear uma comunidade que vive tão plenamente o conflito que qualquer movimento que faça contrário à ele ainda não é capaz de evitá-lo completamente, seja de forma passiva ou ativa. Tanto é que, ademais de todas as iniciativas que foram tomadas ao longo da idade do bronze final, que, provavelmente, acabaram por elevar de certo modo a figura guerreira, a idade do ferro é marcada pela construção de centenas de Hillforts, que, para além de muitas outras funções práticas e rituais, possui a noção clara de defesa, seja da produção armazenada dentro de suas trincheiras, seja da própria comunidade que se resguarda dentro dele em momentos de perigo e ameaça.
River Thames Spearhead


           
           Sigo o raciocínio de Hill no que diz respeito a hierarquização, ou a falta dela: Ele diz que estas comunidades tendem a uma distância social pequena - ele supões que eventualmente a disputa interna ou a instabilidade econômica levassem a disparidades sociais, mas estas desigualdades seriam efêmeras, pois raramente haveriam mecanismos que possibilitassem que uma família mantivesse esses ganhos para seus descendentes ou parentes. Por mais que os membros da comunidade disputassem por prestígio ou riquezas entre si, o poder seguia sendo comunal.



"Estas eram sociedades com líderes (leaders), não governadores (rulers), e provavelmente líderes no plural"[6]



Horned helmet

            Ele prefere imaginar também que a atribuição e acesso aos bens e recursos comunais fossem acordados entre diversos membros das famílias componentes de uma comunidade, embora essas instituições pudessem ser mais ou menos formalizadas de acordo com a comunidade em questão, podendo haver cargos específicos, talvez, mas ainda assim estas responsabilidades seriam conquistadas, merecidas e acordadas com, ao menos um conjunto, ou todos os membros da comunidade, de alguma forma - mesmo que um membro de família seguisse no cargo que seu antepassado conquistara. Desta forma, objetos associados, carregados ou ostentados por um membro da comunidade eram, antes de uma prova do valor pessoal, uma prova do valor comunal.




Bronze boars from the Hounslow Hoard

            É claro então que os conflitos não eram apenas externos, mas internos também, muitas vezes. Por isso é defendido por alguns autores, incluindo o Hill, quase sempre baseados na etnografia,  que, como resolução de muitos destes problemas, a possibilidade de fissão dos grupos exista, quando uma parte quer evitar a submissão a outra, ou qualquer outro tipo de disputa ou dependência no seio da comunidade. [7]


            Tendo isso em vista é fácil supor também que, para além de uma hierarquização interna nas comunidades, uma hierarquização inter-comunal tenha se desenvolvido, já que algumas comunidades melhor alocadas no espaço, com acesso mais fácil a alguns recursos fundamentais, melhor defendidas, ou melhor organizadas tenham conseguido uma autonomia ou uma proeminência militar ou econômica, muitas vezes mais interessante para a reprodução dela e de seus membros, que lhe permitia expandir sua área de influência por outras regiões inóspitas ou já habitadas alcançando outras comunidades que acabavam por se integrar a rede de interdependência destas.






[1] ARMIT, Ian. Hillforts at War: From Maiden Castle to Taniwaha Pā. Pgs. 35-36 (Tradução do Autor)

[2]" Ação proposital de grupo organizado, dirigido contra um outro grupo que pode ou não estar organizado para a mesma ação, que envolve a aplicação real ou potencial de força letal" Ferguson, R.B. Warfare, Culture and Environment. 1984 (T.doA.) - Trecho retirado do texto do Ian Armit.

[3] WELLS, Peter S. The Iron Age. Pg. 417

[4]  HILL, J. D. How did British Middle and Late Pre-Roman Iron Age Societies Work (if they did)?. Pg. 242

[5] Idem. Pg. 257-258

[6]  HILL, J. D. How did British Middle and Late Pre-Roman Iron Age Societies Work (if they did)?. Pg. 255-256


[7] Idem. Pg. 256