Sugestões, Pedidos e Dúvidas

Bem, espero que todos sintam-se livres para requisitar trabalhos específicos, sugerir procedimentos de postagem, fazer algum pedido ou tirar qualquer dúvida.

Agradeço pelas visualizações, mas agradecerei ainda mais pela participação no trabalho! Sintam-se livres para comentar e participar da construção das obras que serão para todos nós!

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7 de setembro de 2014

Um Tratado assinado com Sangue (1) - Projeto em andamento



A cidade de Okayama estava escura e vazia naquela noite. As luzes das ruas estavam apagadas, talvez sequer tenham sido acesas naquele dia e, apenas raras vezes, uma chama alaranjada surgia, numa ou outra casa, para afastar as sombras que ameaçavam cobrir tudo. Uma garoa fina lançava-se sobre todo o lugar, escorria pelos telhados, gotejava no chão. Era esse todo o movimento que havia.

Tábuas cobriam as janelas e os rostos das crianças que espiavam lá fora, abafavam as vozes das famílias que se punham ao redor do fogo tentando esquentar-se e duelavam com o frio para mantê-lo afastado. No castelo, as árvores do jardim balançavam suavemente. Com um constante farfalhar, suas copas se encrespavam e se arrastavam na muralha, produzindo sons sussurrados que mais pareciam segredos sendo contados, com a devida discrição. 

No meio do pátio, sentado em posição formal, um homem solitário meditava, sem parecer importar-se com o frio que se agarrava a sua pele e arrastava-se por debaixo de seu quimono, escorrendo por seu corpo musculoso. Ele ouvia atentamente todos os sons ao seu redor, e contemplava o movimento cadenciado da chuva, do vento, das folhas, dos peixes no lago. E tentava intuir aquela forma de apresentação da natureza, tentando esgotar o sentido que havia nela. 

Seu espírito captava cada sibilar, cada arrastar, cada forma... Sua respiração inflava seu corpo com o ritmo cadenciado do ambiente que o cercava, e, por um breve instante, sob o Obi onde estavam presas suas espadas, uma fisgada aguda e dolorosa arrebatou sua atenção. Mas ela persistiu, forçando-o a levar a mão até a cicatriz. Contorcendo o rosto ele praguejou sua fraqueza naquele momento, tentando se recompor.

Aquele homem era Tadashi.

A cicatriz fazia-o lembrar de seu Daimyo, Ukita Hideie, e de sua desavença há poucos dias quando este partira para a batalha que aconteceria nos campos de Sekigahara, e deixava-o em Okayama com sua mulher e filhos. Tadashi havia prometido, há dez anos, lealdade eterna ao seu senhor, jurando protegê-lo, segui-lo, defendê-lo e obedecê-lo. E, até então, nunca tinha desonrado sua palavra. Sua cicatriz lembrava-o bem disso. Uma lança de um cavaleiro que atravessou sua coxa em uma das muitas batalhas na campanha da Coréia, enquanto defendia seu Daimyo.

Mas como honrar o juramento de protegê-lo e obedecê-lo, se sua ordem foi de ficar no palácio, a quilômetros de distância do conflito para o qual seu senhor se dirigia comandando um destacamento em nome da coalizão ocidental?

Como um samurai, Tadashi, tentava agora resolver este conflito dentro de si. Ajoelhado, sentia a dor passar. Mas sentiu em seu peito um aperto, por sentir que aquela dor, naquela noite, possuía um sentido mais profundo do que o próprio flagelo. Ele entendeu, por fim, o segredo que o vento do norte trazia consigo...

Era a noite da Batalha.

E seu senhor havia sido derrotado.

1 de setembro de 2014

Horizontes





Recentemente o Rio de Janeiro teve seu sentido drasticamente alterado para mim. A minha percepção sobre a cidade mudou, meu desejo de estar nela, minha vontade de caminhar por suas ruas e ver as coisas pelo lado de lá... Motivos existem, motivos sempre existiram, mas não os motivos de agora.


E, talvez, estes tenham me feito querer sentar hoje de frente para lá. Não são meus melhores dias, mas com certeza também não são os piores. Estou naqueles onde coisas muito boas, muito mesmo, e muito ruins, de verdade, acontecem ao mesmo tempo e você não sabe bem ao certo o que está se passando com você. Acho que é em momentos como estes que as mentes mais desvairadas pensam sobre conspirações... eu tenho pensado sobre isso.


Mas fui sentar de frente para o Rio. Deixei de lado as conspirações. Queria respirar, ver o mar, as gaivotas, pensar na vida... Apenas isso, entre um momento e outro de trabalho. Sonhar um pouco, sem precisar dormir, embora dormir também não fosse uma má ideia.


Havia um banquinho lá, e alguns outros, como de praxe, ocupados por velhinhos e casais, atarefados com suas infinitas possibilidades de ser. E havia o meu banquinho. Nunca tinha sentado ali antes, pois, afinal de contas, os motivos que me levaram a sentar lá hoje, antes não existiam. Mas sempre existiram para os velhinhos e pros casais.


Sentei e cruzei as pernas. E o horizonte, que não era o Rio... me fez pensar.


Como podem ver, não era o Rio, eram apenas o mar, o céu e as barras de ferro. Acabei por ignorar as milhares de possibilidades simbólicas para as barras de ferro e me concentrei no que elas estavam fazendo ali, naquela altura, cobrindo o Rio que eu tinha ido ver. Horizontais e paralelas, cobrindo tudo. Eu me certifiquei de estar sentado corretamente, eu não sou alguém baixinho, e supus, então, que a maior partes das pessoas que sentasse ali não conseguiria, de fato, ver o Rio.


E como a vida é cheia de coincidências, uma série de obras de arte que havia visto no dia anterior... no Rio inclusive, me fez pensar sobre aquelas linhas horizontais. Eu não teria pensado sobre tudo isso se o Rio não tivesse sofrido toda essa alteração de significado para mim, mas se fosse assim eu também não estaria sentado ali, logo não pensaria sobre nada disso de qualquer forma. Mas não é o caso, a vida tem disso, e por isso pensei.


As obras a que me refiro são de Milton Machado, eram quadros onde a pintura em questão era segmentada por linhas vazias, um listrado de arte e vazio, que naquele contexto se fazia arte também. E eu comecei a questionar as horizontais que cobriam aquela paisagem que eu almejava alcançar. O Rio.


E acho que compreendi, em parte, as obras do artista, quando me movi para baixo e vi uma nova paisagem, já que elas falavam sobre ser mais fácil conhecer quando não se possui a visão do todo de uma só vez. Ali, naquela posição, as mesmas linhas passavam a cobrir agora outras coisas e revelar um novo universo de possibilidades.
 


Até então pensava em todos os bons motivos que me faziam buscar o Rio. Mas, ali, curvado, comecei a pensar nos motivos tristes que me faziam buscar a contemplação e o silêncio. As brigas e discussões, a descortesia, a insensibilidade para se dar conta das mais diversas formas de ver. A dependência desta rigidez que me assalta eventualmente.


Me dei conta ali, naquele momento, que achar-se justo nem sempre significará o ser. Que defender o perfeito, pode estar equivocado. Que achar-se bom, faz de ti um  merda. E que ainda preciso aprender muito sobre a sutil diferença entre o momento certo de brigar e o de ceder.


Arqueado sobre as pernas, apoiado nos braços, observando o horizonte, aquele que eu buscava inicialmente, dei-me conta da arrogância que foi, sentar-me ali, naquele banco, por onde passo todos os dias, admirando aquela mesma paisagem por cima das grades, sem dar a importância devida.


A arrogância de sentar nos aconchegantes e companheiríssimos assentos daqueles velhinhos e casais. Eu, com meu soberbo desejo de ver o Rio, recém descoberto por mim, ocupando os lugares de costume daqueles que já os frequentam há tanto tempo. Ali me dei conta, que o mínimo que eu podia fazer, ao sentar-me num daqueles bancos desejando algo, era curvar-me.