Sugestões, Pedidos e Dúvidas

Bem, espero que todos sintam-se livres para requisitar trabalhos específicos, sugerir procedimentos de postagem, fazer algum pedido ou tirar qualquer dúvida.

Agradeço pelas visualizações, mas agradecerei ainda mais pela participação no trabalho! Sintam-se livres para comentar e participar da construção das obras que serão para todos nós!

Se não quiserem fazer isso diretamente aqui, em alguns dos posts, há ainda a página no facebook



26 de agosto de 2013

RPG - Background de Personagem para um mundo Medieval Fantástico

Nasci em um vilarejo perto das Terras Secas... Longe das Terras de Pedra, nas Terras do Verde.

Compartilhava a floresta com o restante de seus naturais, sob a sombra das montanhas rubras, num pequeno bosque. Ilhado numa pradaria extensa na qual poucos de nós se aventuravam, por conta dos coiotes que espreitavam à noite e as criaturas mal encaradas que habitavam aqueles campos.

Tínhamos nossos costumes, nossos modos de ser, nossas canções e danças... nossas tradições... mas isso há muito tempo atrás. Não sei quando nem como, na verdade ninguém de meu povo sabe... apenas aconteceu... Num passado incerto algum dos nossos ancestrais nos abençoou, ou amaldiçoou, com o poder das feras... 

Nos tornamos quase tão animais quanto as próprias criaturas do bosque. Nos transformamos em parte da floresta... nos transformamos em selvagens! Algumas famílias já perderam seu juízo e perambulam, pelas árvores ou pelo campo, caçando, como verdadeiros animais... Por algum motivo eu sou diferente...

Reuni alguns de nosso povo, que ainda podiam raciocinar, e ainda vivemos com parte de nosso antigo modo de vida, lutando, com tristeza em nossos corações, contra alguns dos antigos nossos que vinham roubar nossa comida ou alguma de nossas crianças desprotegidas.

Parti, avançando sobre os ermos campos secos, e sobre os corpos daqueles que se opuseram a minha fúria, buscando ajuda para minha raça... Ou conselhos de um sábio amigo. Meu povo não tem condições de seguir-me e é por isso que caminho só... com o vento a açoitar meus fartos cabelos, e a relva a roçar em minhas pernas. Carrego comigo o meu e outro espírito que consegui, com árduo esforço, controlar, mas que em momentos de descontrole nem mesmo eu posso derrotá-lo.

Já caminhei por alguns povos de pedra, e alguns do verde como o meu. Encontrei estranhas coisas em meu caminho, coisas que não conhecia... e que agora temo.

Minha história não pode terminar antes de eu encontrar a salvação para o meu povo. Tenho que poder retornar antes que todos tenham tornado-se em feras incontroláveis. Busco ainda por pistas... e já descobri  algumas... mas nada muito conciso. 

Preciso da verdade que os homens talvez já desconheçam.

20 de agosto de 2013

Projeto Vivendo a História




Um projeto pedagógico que pretende aprimorar a desenvoltura dos jovens amantes de história, de maneira lúdica e ao mesmo tempo educativa e produtiva! Quando digo isso é por que o projeto, mais do que uma simples aula de história, carrega os alunos para dentro da própria história, apresentando a eles o mundo fantástico da idade Antiga e Média, tentando desmitificar todos os conceitos errôneos que são construídos ao longo do tempo através de clichês e anacronismos enraizados no nosso imaginário.

O projeto visa mostrar os encantos, as épicas aventuras, os complexos jogos políticos, as guerras santas, os rituais antigos, a mitologia de forma igualmente instigante. Os participantes criam para si, após uma construção coletiva do cenário e do imaginário da época em questão, personagens que poderiam ter vivido naquela época, naquelas terras, e passam a conviver, ao longo das aulas, com figuras históricas que realmente existiram, e a reviver momentos podendo compreender, mais de perto, como eles se deram, e como se desenrolaram.

Procurem por mais informações na Página do Facebook! E divirtam-se.

19 de agosto de 2013

Fanfic do livro O Nome do Vento - Uma festa de três partes

Noite outra vez. A Pousada Marco do Percurso estava em festa, e era uma festa em três partes.

A parte mais óbvia era da multidão que ali estava, que emanava seu calor, sua energia dilatada pela cerveja e pela dança. Numa infinidade de sentimentos e desejos, seus risos espantavam o malfazejo e penetravam profundamente em cada ranhura do assoalho deixando um rastro de essências inodoras imiscuírem-se indefinidamente em cada olhar, em cada gesto, em cada passo. Como o sol da primeira manhã de primavera vem derreter a geada do inverno que passa, as gentes vêm para comemorar o realizado, para brindar à nova era, para celebrar. Como se é esperado num recinto cujo objetivo é fulgir os recônditos da noite com música… e é claro que havia música!

Dentro da pousada estava eu, encolhido num canto do bar, terminando de revisar o restante dos meus escritos. Com as mãos ainda sujas de tinta e bebericando cautelosamente o vinho que peguei de um dos barris de carvalho atrás do balcão. Evitava prender-me a preocupações inquietantes e observava os rostos e trejeitos dos indivíduos que, até então, apenas tinha ouvido histórias. Ouso afirmar que a segunda parte da festa era minha, uma parte, em suma, desimportante do todo maior e mais denso. Contudo, me sentia, sim, um pedacinho, um fragmento, um resquício que fosse daquela história. Porque escrevê-la me fez vivê-la e me permitiu consolidá-la. Levá-la adiante. Imortalizá-la.

A terceira festa era fácil de se notar. Se você passasse uma hora escutando, talvez começasse a senti-la no ar que entra e sai do seu nariz, no ritmo em que se contrai o seu coração, no vapor que se condensa na janela. Ela estava nas labaredas que faziam a madeira na lareira estalar e embranquecer. Estava no lento vaivém de um casal que dançava enlevado frente ao tablado. E estava nas mãos do homem ali sentado, que dedilhava faceto as cordas dum alaúde, já um tanto usado, sob o olhar encantador e encantado de uma mulher. De sua mulher.

O homem tinha cabelos ruivos de verdade, vermelhos como a chama. Seus olhos eram escuros e, encontrados com os da moça de cabelos negros, refletiam a felicidade que transbordava dele. Ele tocava com a segurança sutil de quem realizou muitas coisas, de quem sabe muitas coisas, de quem foi muitas coisas.

Deles era a Pousada Marco do Percurso, como deles também era a terceira festa. Era apropriado que assim fosse, pois essa era a maior festa das três, englobando todas as outras dentro de si. Era abundante e palpável, sem dúvida, como o início da primavera, que trazia a reconfortante brisa quente após um inverno pungente de dias infaustos. Leve como o pólen carregado pelo vento. Era som vibrante – som de flor desabrochada – do homem que celebra a vida.

Todo o transtorno que afligia aquele homem quando o conheci, enquanto escrevia sua história, havia sido extirpado por fim. Suas feições se abrandaram. Seu sorriso veio cada vez com mais frequência. E agora ele radiava face a face com sua amada, que, sentada ao seu lado, acariciava seu joelho delicadamente, num carinho tenro de jovens amantes.

Ainda tocando ele retribuiu o gracejo, e beijou-a suavemente nos lábios. Ela disse-lhe algo ao ouvido e se levantou. Altiva e exuberante. A atmosfera do salão era da mais refinada harmonia, as notas de seu alaúde se integravam a cada movimento executado, pontuavam cada frase proferida. E conforme a dama caminhava pelo salão a canção parecia segui-la e se intensificar, mas ainda assim ela passou desapercebida pela multidão. Sorriu para mim, um sorriso doce e meigo. Um sorriso jovem, um sorriso vivo e contagiante. Me vi sorrindo de volta, da melhor forma que pude, enquanto ela seguia para os quartos.

Os olhos dele a acompanhavam, e recaíram sobre mim quando ela desapareceu às minhas costas. Eu sorri e ergui minha taça à ele. Ele sorriu de volta e vi todo o êxtase contido, toda a euforia acumulada explodindo de uma só vez numa imensa onda de satisfação.

Esta é uma homenagem que faço ao meu amigo Kvothe e sua esposa Denna.

Ass.:O Cronista.

Durante toda a Bienal 2013,  20  textos escolhidos estarão disponíveis para serem votados. Infelizmente, este não foi um dos selecionados Não deixem de dar uma olhada na área #acampamentonabienal  que acontecerá todos os dias. E lá, votem nos textos que mais gostarem!

Acampamento na bienal

13 de agosto de 2013

Conto - Invasão de Birkanturg

Gelo, honra e sangue

Um dia frio. Um cavaleiro aproximava-se ao longe, sob a chuva que chapinhava seu caminho e enlameava sua túnica. Trazia consigo uma mensagem terrível: O rei Golverberix havia falecido. As rédeas em suas mãos queimavam como brasa por conta dos dias que passara cavalgando.

De cima das muralhas baixas do forte um homem avistou o cavaleiro e, reconhecendo o símbolo manchado de sangue e lama em sua túnica, correu para os portões ordenando que os abrissem.

Soldados aglomeraram-se ao redor da grande entrada de pedra, e ergueram as grades levadiças, fazendo suas correntes rangerem estridentemente. A água pingava e escorria e o alarido dos homens atarefados com as correntes e trancas de madeira encheram o ar. Logo todos os soldados do forte prestavam atenção no portão do Oeste.

O cavaleiro, ao entrar, despencou de seu cavalo. Uma ferida profunda tentava roubar-lhe a vida. Suas luvas e mãos estavam rasgadas e ensanguentadas.

- Chamem um curandeiro! – Gritou um dos soldados. Enquanto o capitão de Birkanturg, se aproximava.

Berrik abaixou-se ao lado do cavaleiro moribundo para retirar sua bolsa de mensageiro. O homem ergueu os olhos para o capitão neste momento, agarrando sua túnica com força. O capitão levou a mão à espada, mas o homem caiu morto novamente, antes que o aço pudesse deixar a bainha.

- Pelos deuses! – Exclamou Berrik assustado.

- O que diabos foi isso senhor? – Perguntou uma voz de detrás dele.

Aguardando mais alguns instantes o capitão voltou a retirar a bolsa do pescoço do homem morto. Afastou-se e leu a carta em voz alta, enquanto o curandeiro, com suas túnicas brancas corria em direção ao monte de homens para verificar o corpo do sujeito que chegara moribundo.

As letras foram escritas rapidamente e estavam manchadas e borradas por causa da chuva, mas sua mensagem terrível ainda podia ser compreendida. North-Rowüll fora conquistada,  o rei do norte estava morto, Golverberix lutou bravamente contra os invasores sulistas e faleceu no acampamento deles, como um inválido. Sequer tivera a honra de morrer lutando. Morreu para aprazer a sede de sangue dos homens que querem terras.

- Nós vamos vingar a morte de nosso rei! – Rugiu Berrik furioso. Sua carranca de fúria se contorcia sobre as gotas grossas de água que voltavam a cair.

Os homens bradaram junto com ele.

- Gelo! Honra! Sangue! – Gritaram os soldados, urrando o lema de seu povo. – GELO, HONRA, SANGUE! – Eles fizeram a fortaleza reverberar com o rugido de seus corações e o restumbante som do aço sobre a madeira de suas espadas e escudos.

~*~*~*~

No fim do mesmo dia já se ouviam os tambores do inimigo ao longe, e o vozerio da tropa que se aproximava. Cerca de dois mil homens bradavam e cantavam vindos do leste.

- Estes vermes carregam em suas costas o peso das almas de nossos homens e mulheres! – Gritou Berrik de cima das muralhas. – Vamos fazer a eles o favor de retirar esse pesado fardo, cortando suas gargantas, e arrancando suas vísceras com nossas espadas! Vamos deixá-los experimentar o gosto de nosso aço! – Rugiu novamente, e com ele seus soldados.

A chuva caía numa torrente incessante, encharcando os homens. Suas armaduras retininam com as gotas, e a visão se turvava a distância. Mas o vermelho-sangue do uniforme inimigo destoava da paisagem nevada no sopé da montanha onde se escondia o forte. Lá dentro organizavam pequenos grupos e preparavam-se para o combate iminente.
Contudo os corações duros e gelados dos homens do norte clamava pelo sangue de seu inimigo. E quando este arremeteu contra as muralhas de Birkanturg os nortenhos fizeram chover junto com a água, flechas, e o sangue começava a empoçar-se no chão, e correr para baixo nas fendas da rocha.

Com os escudos erguidos tentavam proteger-se das flechas, ao mesmo tempo que tentavam romper o portão. O ranger da grande porta unia-se ao cântico fúnebre que erguia-se da montanha. Logo o fogo tomou conta de dentro e de fora do forte. O fogo mágico que a chuva não bastava para apagar. Foi quando recuaram para descansar depois do combate do dia.

Os homens recolheram seus corpos para dentro das muralhas, aqueles que tinham sido abatidos pelos magos ou pelos arqueiros inimigos, cuja vida já não podia mais ser salva, mas saudada com glória pela coragem e honra de lutar na guerra que os libertaria das garras do povo do sul.

Os xamãs de seu povo apagaram os fogos e cuidaram dos feridos. O exército inimigo voltou a reunir-se na base da montanha, e Berrik convocou suas poucas centenas de homens que tinham restado daquele dia sangrento. E que certamente não restariam num segundo dia, e os convocou para atacar. E extirpar da terra o máximo de homens que fossem capazes.

Passaram algumas horas preparando os funerais dos falecidos, prestaram-lhes as homenagens devidas dentro do costume de seu povo e partiram. Com a benção de seus deuses esgueiraram-se portão afora, e correram pelas montanhas em silêncio caindo com suas armas em chamas sobre seus inimigos que dormiam.

Não houve tempo de aviso. Os soldados de Birkanturg entoaram sua canção de guerra, e como um trovão devastaram o exército inimigo. Os deuses os acompanharam, pois os céus negros da noite tinham obscurecido sua presença para seus inimigos. E apenas quando os relâmpagos cortavam o céu nebuloso era que as carrancas de fúria dos homens do norte eram vistas, cada vez mais ferozes.

Cada vez mais terríveis.

Os relâmpagos mostravam os mortos, e logo o fogo os iluminava. Os magos inimigos reuniram-se no centro do acampamento, e logo foram cercados pelos soldados que tentavam se juntar e se por à postos, em formação.

Trovões atingiram o acampamento, e explodiram em luz e chamas. Os feiticeiros trataram de afastar as descargas, enquanto numa única investida conduziram seus soldados à frente. Um a um os nortenhos caíram. A chama de seus olhos extinguia-se, suas armas deixavam seus punhos, e a glória da guerra os alcançava.

A morte valorosa que tanto esperavam aproximou-se deles na forma de escudos e lâminas. Era o fim da guerra. Birkanturg caíra. Assim como o rei, assim como o restante de todo o norte.

Berrik vislumbrou o trovão que atingiu o centro do acampamento inimigo, assassinando os magos e guerreiros que lá estavam. E satisfez-se com os dezesseis homens que matara antes de ser atingido pela espadada mortal em sua nuca. Sempre desleais, pensou, enquanto o chão e as trevas se aproximavam. Ouviu um último trovão antes de unir-se aos deuses e a seu antigo rei.

Gelo, honra e sangue!

12 de agosto de 2013

Livro (Em Processo) - Capítulo Um d'Os Guardiões de Tarkataz

Theodor havia deixado a estradinha de terra batida que o levaria de volta para casa já há algumas horas. Ele agora caminhava por entre as árvores que circundavam toda aquela região. Pequenos arbustos compunham a paisagem ao redor com suas flores ainda para desabrochar.
A lua, quase cheia, pairava no céu, lançando sobre a floresta raios prateados que perfuravam as copas das árvores e atingiam o solo com suavidade, iluminando fracamente o caminho que Theodor ia seguindo por entre os ramos que puxavam suas roupas.
As criaturas noturnas passavam como vultos ao seu redor. Ele ouvia o som de pequenos animas correndo sobre as folhas secas. E ouvia as folhas das árvores farfalhando acima de sua cabeça. Uma coruja pousou em um galho a sua frente e de lá ficou observando-o passar, com aqueles olhos esbugalhados, girando sua cabeça para trás até perdê-lo de vista.
As árvores começaram a ficar mais esparsas e a luminosidade havia melhorado assim que ele atingiu o pé da primeira colina, que se estendia ao longe, para os lados e para cima. Ele estava já mais perto de casa.
Agora que tinha chegado ao sopé das colinas Theodor decidiu dormir. Aquele dia de caminhada incessante cansou seu corpo. Ele então parou. Esfregou o suor da testa, jogou suas coisas no chão e acendeu uma fogueira com alguns galhos que havia recolhido pelo caminho. Preparou uma rápida refeição. Estendeu seu saco de dormir no chão, pôs sua espada em baixo do cobertor, na altura de sua mão, e adormeceu contemplando a abóbada estrelada que se opunha a ele confrontando-o.

Na manhã seguinte ele foi acordado pelo canto de alguns pássaros nas árvores perto dali. Levantou-se depressa e arrumou suas coisas. Prendeu sua espada, sem bainha, de volta ao seu cinto, pôs sua mochila nas costas, jogou seu camisão de cota de malha por cima dela - não queria vesti-lo para evitar o calor do metal e também porque naquelas terras não haveria necessidade. Com o pé jogou um pouco de terra em cima das brasas que ainda ardiam timidamente na fogueira, estalando e lançando ao céu um fino fio de fumaça.
Começou, então, a subir a colina, não era muito íngreme, mas o orvalho na grama tornava-a um pouco escorregadia, dificultando o princípio da caminhada. Ao mesmo tempo, o Sol aparecia a sua frente, imponente, tão grande e belo, acariciando sua face com os primeiros raios da manhã.
Theodor havia deixado a estrada na noite anterior, porque havia decidido que queria ver sua cidade de cima, para que, de longe, pudesse admirar sua beleza. Afinal, fazia dois anos que ele havia deixado Fortheit para servir ao exército em Orull, a capital do reino. E ele se perguntava a cada passo que dava como estaria agora a sua cidade, na qual nasceu e cresceu. Queria saber se o moinho onde tanto brincava quando criança ainda estava do mesmo jeito. Se o Sr. Fillus ainda estava tão rabugento, ele vivia reclamando quando Theodor, Nillah e Leon entravam em sua fazenda para cavalgar em seus cavalos. Imaginava como estaria seu velho avô, com aqueles acessos de tosse, aquela voz rouca e cansada de tantos anos de trabalho na fazenda, se sua querida mãe ainda preservava aquela beleza jovial. E sentia falta também do seu arco de teixo, que ele mesmo fez.
Theodor era um bom arqueiro. Quando a fazenda não dava lucro o suficiente para que sua família comprasse carne no açougueiro da vila, era ele que saía para caçar. Costumava passar algumas noites fora, em busca de um pequeno bando de cervos, ou mamíferos menores, mas não houve uma só vez que tivesse voltado de mãos vazias para casa.
Havia algumas árvores espalhadas aleatoriamente, cobrindo toda a extensão das Colinas Verdejantes. Seus troncos eram finos e retorcidos, suas copas desprovidas de muitas folhas e havia incontáveis pássaros coloridos sobrevoando-as. Eles cantavam músicas alegres enquanto brincavam uns com os outros e alimentavam seus filhotes famintos dentro dos ninhos. Um magnífico céu azul se erguia no horizonte por trás do verde das colinas. O dia estava claro e com poucas nuvens.
Theodor subia com dificuldade por conta do peso da mochila. Sua espada balançava em sua cintura refletindo a forte luz do sol e sua armadura tilintava em suas costas, sua longa sombra se esticava até a planície perdendo-se em meio à floresta.
Estava caminhando já a cerca de meia hora quando chegou ao topo daquela colina. De lá pôde ter uma boa visão de todos os arredores. Atrás dele havia um mar de árvores enormes e frondosas, cortado pela estradinha de terra que serpenteava por entre elas circulando as colinas. Muito ao norte ele podia ver Stronghtköld, uma cordilheira de montanhas enormes, mais de dez vezes maiores que as humildes Colinas Verdejantes. A esta distância as montanhas não passavam de pequenas protuberâncias no horizonte. Enquanto Theodor estava em Orull ele ouvia bardos contando histórias sobre elas serem capazes de perfurar os céus, e em algumas outras que elas eram habitadas por anões, as quais ele julgava mais sensatas – Afinal, perfurar o céu... – pensava. E a frente era capaz de ver apenas uma infinidade de colinas que se perdiam no horizonte até se confundirem com o céu.
Estimulado pelo pensamento de poder estar de volta à sua casa, Theodor redobrou os passos na direção de sua cidade. Um casal de coelhos correu para suas tocas ao vê-lo se aproximar. Ele observou os buracos, curioso, e olhou de novo para Stronghtköld, pensando se haveriam de fato anões no interior daquelas montanhas, e como teriam feito túneis, cidades, fortalezas e etc. por debaixo de uma montanha... A habilidade necessária para isso seria algo incomparável. Theodor fez questão de se abaixar e olhar pra dentro da toca dos coelhos, mas tudo o que viu foi o escuro, e talvez o que seria o focinho de um deles.
Ele se lembrou das histórias fantásticas que Frinn, o Bardo, contava durante sua estada em Orull. As histórias sobre elfos, que habitavam o interior d’As Florestas Azuis, um povo alegre e exótico, com orelhas pontudas. Anões, homens baixinhos e carrancudos que viviam sob as pedras. Orcs seres que aparentavam ser homens selvagens, altos e musculosos, com presas protuberantes, e pele verde-acinzentada. E tudo o mais, como dragões, sereias, fadas, centauros, tartarugas do tamanho de ilhotas. Mas Theodor nunca havia visto nada disso. Ele uma vez havia perguntado a Frinn o porquê, mas ele simplesmente respondeu – Tempos difíceis, meu rapaz... As mudanças no mundo, apenas o tempo é quem as traz. Mas se porventura tentar trazê-las tu mesmo, tome cuidado com o que faz! – e continuou tomando sua cerveja.

Horas depois, a paisagem quase sempre a mesma, grama baixa e árvores de pequeno porte se estendendo em todas as direções. O sol já estava alto no céu e a barriga de Theodor roncava de fome, eventualmente. Ele estava louco para chegar em casa logo e comer um delicioso ensopado que só sua mãe sabia fazer, com raízes, batatas e temperos.
O suor escorria pelo lado de seu rosto e rapidamente se evaporava, deixando finas camadas de sal onde antes traçavam sua descida. Seus cabelos, não muito curtos, estavam começando a grudar em sua testa, e sua respiração estava forte. Soltou o seu cantil do cinto e bebeu os últimos goles que ainda lhe restavam. Ele sabia que chegaria à sua casa em algumas horas, portanto não precisaria mais da água armazenada ali com tanto custo.
Conforme ele subia e descia as colinas, o sol se movia, passando sobre a sua cabeça, até ficar atrás dele e começar a se por. Ia em direção a onde estaria o Mar do Oeste, tingindo o céu com tons de rosa e laranja. Ao longe Theodor pôde ver a fenda na qual se encontrava sua cidade. Finas linhas de fumaça saíam do vale e iam subindo até se perderem no céu, que ia ficando cada vez mais escuro. Um vento frio agora soprava aconchegando Theodor depois do dia quente de caminhada, e fazendo a grama baixa dançar ao seu redor.
Ele apertou o passo e cobriu todo o espaço que o separava da cidade rapidamente. Nos últimos metros ele correu, estava eufórico, contente e muito ansioso. Ele já ouvia o som do rio que cortava o vale, gorgolejando lá em baixo. E, então, finalmente, dois longos anos depois, ele poderia ver sua terra natal novamente. Foi andando até que, por fim, ele pôde ver.
Escondida pelas colinas estava a cidade, escura. Casebres de madeira construídos desordenadamente formavam ruelas e becos por quase todo o vale. Nos extremos da cidade havia grandes campos de trigo, arroz, milho e algumas outras poucas variedades de cereais. No extremo sul da cidade Theodor via o estábulo e atrás dele um grande pasto, no qual repousavam lembranças alegres da sua infância, formando montículos escuros sobre a grama. Mais ao sul, no cais, além dos já conhecidos barcos pesqueiros, havia grandes embarcações, aparentemente de comércio. Fortheit era conhecida pelo seu comércio de grãos, e mercadores de vários lugares vinham para fazer comércio. Ao redor da ponte que dividia o rio, em ambas as margens, havia algumas estacas e tábuas de madeira montando pequenas barracas, aonde, pela manhã, as pessoas venderiam suas coisas ou trocariam por algo que lhes faltasse. O mercado. Mais além estavam as casas de seus amigos Nillah e Leon. E na outra direção, no sopé de uma colina estava a sua pequena propriedade, aonde ele, sua mãe e seu avô cultivavam alguns legumes e frutas, em maior parte para seu próprio uso.
Fortheit era uma das grandes cidades do reino. Tinha tavernas para que os viajantes e comerciantes pudessem se hospedar, um ferreiro que produzia, vendia e reparava artefatos de metal e alguns outros tipos de objetos. Havia manufaturas, inclusive costureiras e sapateiros. Era uma cidade próspera e abrigava uma grande variedade de pessoas que compartilhava de costumes e características semelhantes.
Theodor desceu correndo a encosta. Atrapalhado de tanta euforia acabou escorregando, mas conseguiu se por de pé novamente e continuar. Atravessou a ponte de madeira que unia os dois lados da cidade. Passando pelo moinho, e pelo meio do mercado. Algumas das casas ainda estavam acesas, sombras tremeluzentes se projetavam no chão a partir de, provavelmente, velas ou lareiras. Theodor atravessou a ponte e se agachou perto do rio, com as duas mãos em forma de concha bebeu alguns goles de água, não que estivesse com sede, mas apenas para se lembrar de como era bom estar de volta em casa. E então continuou andando.

Sua casa era uma pequena construção de madeira pedras e barro, nos limites do vale, coberta por um telhado de sapê. Ao lado da casa havia um pequeno galpão, onde ficavam alguns animais que a família possuía. E, nos fundos, por trás da casa, ficava a pequena plantação. Havia algumas ferramentas espalhadas pela varanda, pedaços de madeira, martelos, pás, enxadas e etc.. Ele foi até a porta e a abriu. Ela produziu um som áspero e penetrante e logo em seguida ele ouviu um baque na madeira em algum lugar da casa escura. Ele ouviu mais uma vez o ranger de uma porta e logo em seguida uma voz feminina, segura e confiante:
- Quem está aí? – a voz vinha do fundo do aposento.
- Mãe? É você? – perguntou Theodor desejoso.
- Theodor? – a voz respondeu – Meu filho?
Com a porta ainda aberta atrás dele, a luz da lua iluminava a entrada do aposento. Uma mulher veio andando em passos largos até a porta, com os braços abertos e lágrimas resplandecentes rolando abaixo em sua face. Theodor largou sua mochila no chão e abraçou sua mãe, no mais puro gesto de afeto.
- Meu filho! Por Fridda! Como você está? Já faz dois anos – ela chorava de felicidade – Você cresceu! Venha até a mesa deixe-me acender uma lanterna e ver você direito! Estou tão feliz...
- Eu também estou muito feliz mãe, estou bem, mas se passou muito tempo. Mal espero para me encontrar com Nillah e Leon. Como eles estão? – ele falava enquanto iam para a cozinha, ele sentou-se em uma cadeira e sua mãe procurou pelo óleo para acender a lanterna. Dois estalos foram ouvidos e então a luz das chamas invadiu todo o aposento. A mãe de Theodor fez uma cara de espanto. – O que foi?
- Você! Não é mais meu garotinho...
- Mamãe. Por favor, já tenho 18 anos.
- Está forte, sua barba está grande, e que cicatriz é essa no seu ombro, o que houve? – Sua mãe ia inspecionando cada centímetro do seu corpo com seus olhos atentos. Ela era uma mulher de meia idade, tinha longos cabelos cor de mel, e olhos amendoados da mesma tonalidade, características passadas para Theodor. Ele tinha cabelos num tom castanho claro, belas feições e seus olhos eram um pouco puxados. Seu rosto estava com um aspecto selvagem por conta da barba espessa que agora cobria toda a parte inferior da sua face. Seu corpo foi moldado pelo intenso treinamento militar. Ele adquiriu um porte mais orgulhoso e maduro do que o que sua mãe conhecia antes dele partir, o que aparentemente a desapontou profundamente.
- É uma longa história tudo isso mãe. Ao chegar a Orull eu e os outros recrutas fomos levados para uma área de treinamento. Ficamos todos alojados lá. Todo dia de manhã tínhamos que completar um circuito de tarefas físicas dificílimas, mas com o tempo eu fui me acostumando...
- Eles machucaram vocês?
- Mãe...
- Desculpa. – disse ela tentando se controlar.
- Enfim, nós tínhamos treinamentos com armas, nos quais eu me saia muito bem. Nos treinos de arco eu era insuperável. Tivemos também diversos testes de sobrevivência. Treinamos montaria e tudo o mais.
- O exército do nosso reino parece mesmo ser muito bom, nunca tive muito contato com eles.
- Claro, nunca foi necessário aqui.
Sua mãe se levantou e foi até o fogão preparar um chá. Enquanto eles conversavam mais.
- E o que são aqueles navios aqui no porto? – perguntou Theodor.
- Ah sim, – ela deixou a panela com água no fogo e virou-se para seu filho. – são alguns navios de comércio. Claro, você não sabe. Amanhã será o Grande Festival do Milho, a nossa família e a de Edgard estamos encarregados de realizar uma corrida de obstáculos. Você pode participar se quiser. Terão diversas atividades. Este ano o festival promete ser muito bom. E talvez você possa ganhar a competição de arco. Fiquei sabendo que será realizada por Kimby, e que o prêmio para o vitorioso é um arco muito bem feito.
- Isso é sério? É claro que participarei então.
O chá ficou pronto e ambos se serviram. Theodor perguntou sobre seu avô, sobre fatos que tenham ocorrido na vila durante sua ausência. Ele queria estar informado. Sua mãe trouxe um bolo de frutas secas e torradas para ele comer enquanto conversavam.
- Sente-se comigo esta noite.
- Como quiser meu filho – disse ela alegre.
Theodor então despejou o conteúdo de sua algibeira em cima da mesa. Várias moedas de prata e cobre rolaram por cima dás tábuas. Sua mãe se assustou.
- Espólios de um vilarejo que conquistamos. Era um povo forte, bons escravos – o rosto de sua mãe se fechou numa careta de tristeza e pesar. – Vamos, você sabe que também não gosto disso, mas precisamos do dinheiro.
- Esta prata vem do sangue de outros, não me sinto confortável com isso.
- Eu tampouco, mas sabemos que é necessário – ele separou as moedas em duas pilhas desiguais, guardou a menor de volta em sua algibeira e arrastou a maior na direção de sua mãe. – Vamos, pegue, por mim, compre mais animais e utensílios novos para sua cozinha. Esbanje amanhã no festival.
- Obrigado.
Horas depois, quando todas as perguntas haviam sido respondidas, mãe e filho decidiram ir dormir. Amanhã eles teriam um dia longo e cansativo, portanto deveriam descansar. Theodor pegou sua mochila, que tinha deixado na porta e cada um foi para seu quarto. Ele ficou feliz de saber que as coisas ainda estavam todas no mesmo lugar. Seu arco e sua aljava presos em um prego na parede, ainda com cinco flechas. Ele arrumou suas roupas no seu pequeno armário de madeira. Ficou sentado ainda algum tempo na cama de palha sob a janela. Mal podia acreditar que estava em casa outra vez. Depois de dois anos inteiros... em casa... outra vez...dormindo.

11 de agosto de 2013

Livro Publicado (Infanto-Juvenil) - Os cavaleiros de Porten Quauss

Excerto do Livro

Prelúdio

Da investidura cavalheiresca

Faltou caridade, lealdade, justiça e verdade no mundo; começou inimizade, deslealdade, injúria, falsidade; e por isso surgiu erro e turvamento no povo de Deus, que foi criado para que Ele fosse amado, conhecido, honrado, servido e temido pelo homem.

 Para manter a ordem, de cada povo foram convocados mil homens, a estes homens foram dirigidas provas para testar-lhes as habilidades corporais, mentais e eclesiásticas. Sua vontade e sua força foram ratificadas e destes foi eleito apenas um em cada feudo; o mais amável, mais sábio, mais leal, mais forte, e com a mais nobre coragem, com mais ensinamentos e de bons modos que todos os outros.

 Cavaleiros! É como passaram a ser chamados, cavalgavam em belos cavalos, envergando belíssimas armaduras, carregando a honra de seu senhor por onde fosse, espalhando a paz e a ordem pelo reino dos homens.

 Eles seguiam um código extenso e detalhado sobre como deveria ser sua conduta, obedeciam de olhos fechados as ordens de seus senhores, eram vistos como exemplos pelos garotos que os viam passar pelas ruas de suas cidades.

 O cavaleiro era uma figura nobre de tremendo poder, ligado à um senhor de terras que lhe dava ordens a serem cumpridas. Montava um cavalo, pois era uma besta magnífica e agüentava o esforço das longas andanças sob o peso dos equipamentos do homem que o montava.

 Por vezes estes homens eram acompanhados por aprendizes, podiam ser pajens quando ainda muito novos – por volta dos seus sete anos –, ou escudeiros, como eram chamados mais tarde. Eles tinham a função de cuidar dos cavalos e do cavaleiro, carregar suas armas, afiá-las, mantê-los alimentados e saudáveis, lutar ao lado do cavaleiro quando necessário, ou ajudá-lo a fugir se as circunstâncias assim demandassem.
 
  ~*~*~*~

 - Contudo, nosso conto não se trata destes tais cavaleiros...


Ato 1
Da fraqueza, pobreza, e da esperteza

Caminhando pelos campos dourados de trigo, passando pela estrada que cortava a enorme plantação, Henrich Höfell um cavaleiro alemão, avistou, ao longe, uma capa esvoaçando e pôde ouvir o trotar veloz de um leve cavalo, preparado para percorrer grandes distâncias em pouco tempo.

 Henrich posicionou-se, segurando o punho de sua espada, que balançava junto à sua coxa enquanto ele acelerava o passo na direção do homem que se aproximava rapidamente à galope. Ele agora podia notar também um estandarte que o estranho trazia consigo.

 Quando chegaram suficientemente perto um do outro o homem parou puxando os freios de seu cavalo malhado enquanto Henrich desembainhava a espada e perguntava:

 - Quem és tu que se aproxima de minha cidade, trajando armaduras e trazendo armas?

 Ao que o homem respondeu:

 - Saia da frente plebeu, pois tenho uma mensagem importante para entregar ao seu senhor. E abaixe esta espada caso não queira se encrencar – ele tinha um sotaque estranho, arrastava os esses e dava uma entonação diferente às palavras.

 - A quem ousas chamar de plebeu? – Perguntou Henrich irado, balançando a espada ameaçadoramente. – Sou Henrich Höfell, cavaleiro de Riosmil, à serviço de meu Senhor.

 - Cavaleiro? – Perguntou o homem descrente. – Onde está então sua armadura, o resto de suas armas, seu cavalo e sua gloriosa imponência cavalheiresca?

 De fato Henrich não era bem um dos mais abastados, mais fortes ou mais sábios cavaleiros, mas ainda assim era um e honraria seu título.

 - Sim! Sou o cavaleiro Henrich Höfell, e digo para que entregues esta tal mensagem à mim, e eu me certificarei de encaminhá-la para meu Senhor.

 ~*~*~*~

 Mesmo com a face já rubra de vinho, Afonso de Magalhães, nobre português, continuava a virar caneco atrás de caneco goela abaixo, enquanto fanfarronava na taverna com companheiros que acabara de conhecer, um grupo de artesãos que se encontraram aí ao entardecer para prosear e gastar as moedas que tinham conseguido naquele dia de trabalho.

 Ele cantava alegre com o restante dos homens que faziam a taverna vibrar alegremente, ao som de um alaúde e uma flauta que dois jovens tocavam preciosamente. Mulheres andavam de um lado para o outro, vestidas com tecidos finos de cores vibrantes, sempre muito carismáticas e bem humoradas, como todos no lugar.

 Durante um entra e sai da taverna, um homem trajando um peitoral de metal, com uma espada curta embainhada presa em sua cinta chama a atenção dos homens que lá estavam, enquanto alguns, sem mais nem menos, pulam pela janela recolhendo rapidamente seus dados e sacos de moedas, deixando para trás seus pratos e copos ainda cheios.

 - Estou à procura de Afonso de Magalhães – anunciou o mensageiro. – disseram-me que poderia encontrá-lo aqui! – Ele gritou para que todos ouvissem, alguns riram de seu sotaque e de seus finos bigodes, já que lá quase todos cultivavam fartas cabeleiras sobre seus corpulentos narizes.

 - Sou eu quem procuras – respondeu Afonso de onde estava, sem se levantar.

 - És tu o Senhor de Fartasuvas?

 - Sim, sou eu mesmo por quê?

- N... nada... – respondeu ele aproximando-se lentamente, sem confiar totalmente. – Sendo assim, trago-lhe uma mensagem.

 ~*~*~*~

 Caleb, filho de Richard, o famosíssimo cavaleiro inglês, tinha acabado de acordar, fora despertado pelos gritos e reclamações de Emrick, um conhecido ladrão das redondezas, que tinha sido finalmente capturado.

 - Afrouxa um pouco esta corda, está apertada demais! Meus ossos estão sendo esmagados!

 - Cale-se, ladrãozinho de meia tigela, não conseguirá nada gritando desse jeito – respondia o cavaleiro enquanto vestia a armadura pra retornar à cidade, depois da perseguição do dia anterior. – Você merece isso, para aprender. É a justiça de Deus meu caro. Seus pecados serão julgados quando voltarmos à Névoademar e veremos se você continuará com suas gracinhas ao, na melhor das hipóteses, ser preso...

 Uma milha de caminhada à frente, quando o sol começava a nascer Caleb avistou barracas na beira da estrada, uma fogueira acesa do lado de fora, no meio delas, e um número igual de cavalos pastando do lado de fora.

 Teria atacado se não tivesse reconhecido o estandarte aliado panejando no centro do acampamento. Mostrava que era um grupo de mensageiros, retornando para a cidade.

 Ao se aproximar pôde ver um homem sentado num toco de madeira perto do fogo, que rapidamente se levantou assustado com sua espada em mãos, cambaleou meio sonolento, mas ao reconhecer o cavaleiro guardou a arma, pedindo desculpas e fez uma enorme reverência. Dava para notar um leve tremor em seus joelhos.

 - Não se preocupe com punições – disse Caleb, em tom bondoso. – Estava defendendo seu grupo, não há razões para temer... fazia seu trabalho, mas diga-me, o que trazem com vocês?

 - Sir Caleb, temos uma mensagem para teu Senhor, veio de Bertrand, da França, vou buscá-la, volto em um segundo – disse, e entrou em uma das barracas, voltando logo em seguida com um rolo de pergaminho na mão, lacrado com cera e o símbolo de Bertrand.

 - Muito obrigado...

 - Mathew, Sir.

 - Muito obrigado Mathew – E jogou uma moeda de prata para o rapaz, que a agarrou no ar, sorrindo radiante. – Continue fazendo seu bom trabalho.

 - E este aí? – Perguntou o mensageiro. – Perdoe minha intromissão...

 - Não há problema, pode perguntar... – Ele disse e puxou a corda que prendia Emrick, pelo pescoço, ao cavalo. – Este é Emrick, um ladrãozinho de meia tigela... Pode contar aos seus amigos que ele foi capturado, e que mais, tão logo, também serão!

 ~*~*~*~

 Bertrand, 23 de junho de 1255

               Saudações Senhores,

 Venho a vós informar sobre um festival que haverá em minhas terras, no dia 30 de agosto, dia do meu aniversário. Uma competição cujo campeão poderá desposar minha bela filha Eveline e passará a fazer parte de nossa família assumindo também a posse de algumas de minhas terras, pois já não tenho tanto poder para dominá-las todas, e também, porque desejo que minha filha possa desfrutar de um bom lar para seus filhos, meus netos.

 Convoco os nobres dispostos a competir por este belíssimo prêmio, e chamo louco aquele que não vier. Será aceito que mandem seus cavaleiros para competirem em seu lugar, mas apenas um nobre será aceito como noivo de minha querida, amada, bela, carinhosa, carismática, enigmática, engenhosa, e de tantas outras qualidades, filha.

 A competição testará as habilidades de combate, de agilidade, de resistência física e mental, de astúcia e de conhecimentos práticos e intelectuais dos participantes. E o vencedor será, então, aquele mais apto a ter a chance de casar-se com minha filha, e visto que um cavaleiro pode representar seu senhor e que um senhor tem por escolha divina mais capacidade de mandar e desmandar nas terras, afinal, se, tendo o título de nobre o nobre tem, por decisão de Deus, que proteger e governar o povo para o caminho correto do bem, é justo que caso o cavaleiro de algum senhor vença o campeonato o prêmio seja transferido, assim, para o nobre responsável, dados os motivos explicitados acima.
 
Por isso desejo que todos venham, para que sejam postos à prova o real nobre mais dotado de casar-se com minha filha!
 
                                                                                    Aguardo a presença de todos, Rei Bertrand.

 ~*~*~*~

- Todos nossos três heróis leram as cartas, e todas diziam exatamente as mesmas coisas. E todos iriam, mesmo que por diferentes motivos, para Bertrand, nas terras da França, participar do torneio, e é lá que a verdadeira aventura toma rumo, mas aguardem por isso, pois ainda temos muito para saber, antes de irmos para a frança.

 ~*~*~*~

 Quando Henrich terminou de ler a carta o mensageiro já tinha se despedido.

 Feito seu trabalho já não tinha mais que se preocupar com o quão duvidoso era o suposto cavaleiro, mesmo que ele trouxesse com ele apenas uma cota de malha, uma espada longa e um escudo, enquanto comumente estes andassem com armaduras de placas, completas, elmos reluzentes, além de espadas, lanças, maças, machados... e o principal: UM CAVALO!!

 O homem se dizia ser um cavaleiro e não tinha sequer um cavalo! Como isso era possível?

 O mensageiro a princípio ficou receoso de que a mensagem não chegasse ao seu destino, mas acabou sendo convencido pela oratória motivadora e honrada do jovem alemão.

 Henrich era um jovem de cerca de dezenove anos. Eleito cavaleiro de Riosmil, tinha sim, sido eleito por ser o mais bravo e honrado, e forte, e sábio e cumpria todos os pré-requisitos de um cavaleiro. O mais tudo... afinal... era o único em Riosmil disposto a lutar e dar a vida por seu senhor. Portanto ele foi O Um escolhido, a única diferença, era que só havia ele como opção.

 Eram terras pacíficas como aquelas, especialmente Riosmil, cidade costeira banhada por diversos rios, tantos, à ponto de deixar a terra úmida por todo o ano, tornando Riosmil mais para Grandepântanofundoefedido. Não existem nem inimigos dispostos a atacar um feudo como este, até porque as lendas das criaturas que habitam os charcos são de pôr medo nas crianças e nos velhos, que contam para as crianças à gerações e gerações.

 Henrich por sua vez amava sua terra. E lutava por ela com todas as suas forças, na verdade ele nunca tinha lutado por ela... mas lutaria se fosse necessário. Ao menos era o que ele dizia. Mas no fundo no fundo sabia que era verdade, sempre foi um homem muito honrado e cumpridor de sua palavra, e, se prometeu fidelidade à Riosmil, fiel a ela ele seria.

 E foi isso que disse ao seu senhor antes de ser mandado depressa para a frança, para lutar em nome dele. Arrumaram para ele um bom cavalo, talvez o melhor da cidade, mas ainda assim não era grandes coisas, tal como as armas e a armadura preparadas de última hora pelo ferreiro Riosmilense.

 Uma semana depois então, ele partiu!

 ~*~*~*~

 - Um campeonato então... – Resmungou Afonso. – Eu irei... Obrigado pela carta meu jovem. Venha, tome um copo de vinho conosco.

 Com aquela idade para ele todos eram jovens. A barba por fazer, pontilhada de fios grisalhos, os cabelos desgrenhados, a pança caindo sobre as coxas, a braguilha já aberta para não ter trabalho... marcas que demonstravam o tamanho desleixe com que vivia.

 Afonso era mesmo o senhor de Fartasuvas, o problema é que Fartasuvas já não mais existia... Agora aquelas terras chamavam-se Vinhedos de Gaugueir, cujo dono atual tinha expulsado, com a ajuda de uns cem guerreiros apenas, Afonso e todo o povo que também não era muito. Os antigos habitantes tinham sido acolhidos pelo feudo de um primo do irmão do tio-avô de Afonso, um homem também já bem velho, mas bem mais saudável, inteligente... dentre outras diversas qualidades que não vêm ao caso serem citadas agora. Vamos nos focar nos nossos heróis.

 Outro fato que vocês devem saber é que há um motivo para Afonso ter se tornado um tão mal senhor... Há muito tempo, quando ele ainda era jovem, sua mulher faleceu, e ele não arranjou nenhuma outra família disposta a casar alguém com ele. E que Afonso não tinha família, nem amigos nem nada de importante para ele.

 Por isso sentava todo dia na taverna para beber, bancado pelo seu título de nobre. Nobre falido era o que era. Mas naquela época um nobre mesmo que sem dinheiro ainda tinha muitas regalias.

 Agora, com a mensagem contida naquela carta Afonso tinha um novo objetivo. Partiria para a França, com a força de espírito, sem nada a perder. Afinal a única coisa que ainda não tinha perdido era a própria vida, e num campeonato as pessoas costumavam terminar continuando com as suas. Eram provas difíceis, mas nunca chegaram a ser mortais.

 Afonso partiu no dia seguinte com os homens daquele feudo que também participariam do torneio.

~*~*~*~

 Caleb e Emrick tomaram a estrada de volta para Névoademar, um feudo na costa da Inglaterra. Passaram por alguns campos de pastagem de ovelhas, onde seus donos recolhiam sua lã para a produção de tecidos nas cidades, em seguida tinham de atravessar o Bosque Escuro, que já não tinha mais motivos para ser chamado assim, agora que uma estrada pavimentada o cortava ligando os feudos próximos, mas ainda assim, muitos bandidos passavam por lá.

 Caleb cavalgava à frente enquanto Emrick tentava acompanhar o galope do cavalo. Seguiam assim, em silêncio, até que em dado momento Caleb desmontou seu cavalo para urinar.

 - Faz isso mais pra lá! – Reclamou o ladrão.

 - Quieto! – Ordenou o cavaleiro. Que desafivelava sua calça de malha de ferro.

 Emrick teve apenas dez segundos para alcançar a espada no alforje de Galhofas – o magnífico garanhão branco de Caleb – Cortar as cordas que prendiam suas mãos e correr na direção de seu raptor para acertá-lo em cheio na cabeça e derrubá-lo.

 Quando o cavaleiro acordou estava atado ao tronco da árvore, de frente para a estrada, pelas cordas que antes prendiam Emrick. Enquanto este escrevia algo com um punhal na madeira sobre sua cabeça.

 - ME SOLTE DAQUI! – Exigiu o cavaleiro.

 - É melhor não – disse Emrick – você deve estar furioso!

 - É CLARO QUE ESTOU FURIOSO– respondeu o cavaleiro irado. – QUANDO ME SOLTAR EU MESMO CORTAREI SUA CABEÇA!

 - Ouso dizer que é um péssimo negociante, Sir Caleb – zombou. – Tente não falar comigo agora, pois já não escrevo muito bem, se o senhor me atrapalhar seus dizeres ficarão todos com uma péssima caligrafia.

 - O que quer dizer? – Exigiu Caleb com raiva e curiosidade.

 - Espere um segundo – disse Emrick. – Lerei para o senhor quando acabar, e então o senhor me dirá sua ilustríssima opinião.

 - Claro... – disse a princípio, movido pela incrível lábia de Emrick, os papéis tão repentinamente tinham se invertido que a raiva que sentia se misturava com descrença e distração – Quer dizer, pare já com isso! Se me soltar prometo que te matarei rapidamente, sem dor!

 - Claro, já que é assim... – caçoou o ladino, concentrado no toque final de seus dizeres – Guarde suas ofertas honrosas para aqueles que de honra não carecem... Ah, aqui! Está pronto. Ouça:

 “Este é Caleb, filho de Richard, um cavaleirinho de meia tigela. Contem que ele foi pego de calças curtas, literalmente, por Emrick Verdetora, o maior ladrão de toda a Inglaterra!”

 - Então, o que achou? – Ele perguntou à Caleb.

 - Seu ladrãozinho imundo, vou acabar com a sua raça!

 - Vou considerar isso como um “está ótimo, vejo que até usou algumas de minhas palavras, agradeço muito a homenagem”. Agora, se me dá licença...

 - Ei, tire as mãos das minhas coisas!

 Emrick se abaixava e retirava com “cuidado” o elmo da cabeça de Caleb... As suas botas metálicas, suas braçadeiras e suas grevas. Seu peitoral estava com o cavalo...

 Alguns minutos depois – pois para vestir toda aquela armadura levava-se algum tempo – Emrick já estava armado como um verdadeiro cavaleiro, ou melhor: como Caleb. Montou Galhofas e olhou mais uma vez para seu patrocinador:

 - Adeus Caleb, obrigado por tudo.

 - Não me deixe aqui! Vai anoitecer e os animais me comerão vivo! Que é o que eu faria com você seu ladrãozinho bastardo!

 - Acho que está mais do que provado que não sou um ladrãozinho de meia tigela, como diz, e sim: O Maior Ladrão de toda a Inglaterra! Como os dizeres acima da sua cabeça dizem. Além do mais, seu garotinho paspalhão, digo, paspagem... opa, pagem... eu quis dizer pagem. Ele deve chegar a qualquer momento. Não devias tê-lo deixado para trás, para vir atrás de mim.

 Emrick então, dali seguiu para uma conhecida cidade portuária, não podia aparecer em Névoademar com o equipamento de Caleb. E tampouco podia continuar muito tempo na Inglaterra. Lembrou-se então do campeonato descrito na carta e pensou:

 - Porquê não?

 ~*~*~*~

 - Foi assim que todos nossos heróis partiram finalmente para a maior aventura de suas vidas. Claro que eles ainda não faziam nem idéia de em que iriam se meter. Mas isso, vamos deixar mais para frente. Não quero estragar a história.

 - Vocês devem estar pensando: Heróis?! Esses homens são um bando de asnos desocupados, todos atrás de uma bela moça para casar e um bom pedaço de terra para cultivar.

 - Apenas esperem e acompanhem o desenrolar da história.

RPG - Apresentação de História de um mundo Medieval Cético

            A história que será traçada por vocês é uma história obscura, uma história de dor, sangue, sujeira e devassidão. Na Idade Média central, por volta do século XI até os reis eram pobres, embora seus títulos os mantivessem acima dos outros pela palavra de Deus, a carestia os alcançava também. Poderes menores surgiam, as villas se afastavam, tanto física quanto ideologicamente. A Pax Régia não alcançava outros muros que não os do palácio do rei, e muitas vezes estes muros eram destruídos.
            Os barões e castelões arrebanhavam almas perdidas para trabalhar em suas terras, os juramentos eram as leis, e a honra seu cumprimento. A ideia de um homem sozinho é a ideia de um homem morto. Sendo assim todos buscavam por algo para se agarrar, algo que pudesse lhes oferecer proteção, algo que lhes pudesse oferecer abrigo, algo que lhes pudesse lhes preencher o vazio, no estômago.
            Nestas terras assoladas por doença e fome, nestas ruas repletas de fezes e pragas, e nas plantações repletas de ervas daninhas é onde vocês estarão, assim como todos os outros, em busca da sobrevivência, de uma vida, de uma possibilidade de redenção.
            É claro que nem todos os lugares são assim, e vocês ouvem rumores de terras mais fartas, terras mais quentes, terras mais férteis, e terras mais ricas. E quem sabe alguns homens não estejam de fato em busca destas terras?
            Rumores vem e vão, e o desejo sempre permanece. Mas o distante assusta, o distante apavora, e parece que para se alcançar estas terras, muitos perigos tem de ser superados.
            Muitos buscam por formas de sobreviver à carestia e às doenças. Muitos se refugiam nos ermos junto das criaturas que habitam as florestas. Bruxas e curandeiros andam pelos feudos oferecendo seus serviços. Religiosos e padres caminham com seus amuletos sagrados e a palavra de Deus, disseminando notícias e rumores,  numa tentativa de recobrar a glória de tempos passados. Comerciantes trazem as novidades de terras longínquas, junto com suas quinquilharias que ninguém nunca pode comprar. E todos estes estão sempre acompanhados de mercenários, homens contratados para morrer no lugar de seus contratantes, e para derramar o sangue daqueles que tiveram o azar de encontrá-los. Os exércitos, mais para bandos, particulares protegem as terras dos senhores de castelos, e fazem de tudo para expandir estes territórios, para que seu senhor possa proteger mais gente. E arrecadar um pouco mais.

RPG - Background de Personagem para um mundo Medieval Fantástico

Sou Aelnor, nascido do acaso. Constrangido a viver entre os meus, libertei-me das amarras morais e agarrei-me a outros caminhos, e deixei-os levar a mim para onde quer que fossem. Eles foram até a Cidade do Porto. Abri mão do meu destino e só assim pude tê-lo, e agora ele é meu.
Minha mãe era uma rameira, meu pai, algum de seus clientes. Vivi nos bordéis onde ela trabalhava. Não me lembro bem ao certo quanto tempo da minha infância passei lá, ajudando, aprendendo, descobrindo os segredos das mulheres e dos homens, os segredos da vida, do prazer, do dinheiro, dos acordos, da palavra. 
Até então muitos deles faziam pouco sentido para mim, entretanto, mais tarde, se mostraram reais e, deveras, proveitosos. Sempre fui esperto e capaz de guardar rostos, nomes, informações importantes, aprendo rápido, me moldo fácil. Durante a minha infância, tudo isso não passava de características especiais, mais tarde virou meu ganha-pão, minha forma de vida, minha especialidade e meu prazer. 
Quando os primeiros pelos começaram a brotar no meu rosto, no meu peito, e no restante do meu corpo, e parte dos segredos começou a fazer mais, ou algum sentido... eu me lembro como se fosse ontem: Minha mãe ia atender um nobre e tinha me mandado acertar alguns negócios com o dono do bordel, para quem trabalhávamos, um homem rico e ranzinza, magrelo e aproveitador, arrogante e cultivava uma barbicha nojenta e pegajosa de óleo aromatizado. Chegando lá fui atendido por uma de suas empregadas, uma das que eu conhecia bem, e, como sempre, ela me levou pela porta da cozinha, me deu algo que comer, eu retribui a gentileza, enquanto esperava nosso senhor chegar.
Quando ele chegou fui falar com ele, fui recebido com o olhar desdenhoso que ele costuma usar com seus empregados, e com sua voz monocórdia e desprezível. Mas dessa vez havia algo diferente, uma nota de pesar, um esgar no lábio inferior, uma mão revirando o bolso, em busca de algo que se perdeu. E tinha mesmo perdido, perdido para sempre. 
- Aqui está o seu dinheiro garoto... – tinha dito ele, enquanto punha umas moedas de cobre e prata sobre o balcão. Eu não via a grande moeda de Ouro que deveria ser o pagamento de minha mãe, por isso aguardei. – O que está esperando garoto? Saia logo daqui!
- Está faltando senhor – anunciei, cabisbaixo, quase compreendendo.
- Faltando?
- O pagamento de minha mãe... – comecei, com dificuldade em pronunciar a última palavra - Uma moeda de...
- Aquela lá está morta moleque – me cortou, secamente. – Agora, parta daqui, você já não é mais problema meu.
Eu senti o sangue subindo, enquanto um mundo de informações era despejada na minha mente. Em poucos segundos perscrutei a sala, absorvendo as informações importantes: O desgraçado do outro lado de uma mesa que nos separava, as espadas ornamentando as paredes, as brasas ainda fumegantes na lareira... E tudo isso se uniu, quando eu saltei, furioso, por cima da mesinha, espalhando as moedas que ele tinha usado para me pagar, e alguns documentos, apertando minhas mãos contra o seu pescoço ossudo. Ele tropeçou e eu o derrubei na lareira, seus cabelos e barba se incendiaram instantaneamente por conta do óleo que usava. 
Deixei-o lá e me virei para arrancar uma das espadas do suporte, mas dois soldados entravam pela porta neste momento tentando assimilar a situação. Os gritos do senhor enchiam a sala e ecoavam pelo corredor, os soldados me viram com a lâmina brilhando na mão, e correram para me pegar, atrapalhados com as próprias armas. Eu cortei um deles desleixadamente e corri pelo espaço entre os dois, corredor afora.
Isso aconteceu por volta dos meus onze anos. Depois disso, eu aprendi o significado de cada um dos segredos ocultos em minha mente. Eu ia me lembrando das informações adquiridas na cidade a cada situação desesperadora pela qual passava. E, acredite amigo, foram muitas: dormir na rua, passar fome, ser roubado, perseguido, procurado, encontrado, espancado... Vivi e aprendi. Agora tudo isso é passado.
Consegui uma passagem para a cidade do porto, onde eu deveria encontrar emprego. Mas muitos procuravam pelo mesmo que eu. Por isso tive de procurar de forma diferente, aproveitar minhas habilidades de forma diferente... E percebi que não havia nenhuma boa razão para procurar por um emprego de fato, se era de dinheiro que eu precisava, podia consegui-lo de forma diferente, e, muitas vezes, conseguia aquilo para o qual, teoricamente, eu precisava de dinheiro... 
Então, passei a me preocupar mais com o que eu precisava de fato. Com o que me satisfazia, e, na cidade do porto, muitas coisas me satisfaziam, e, em muitas coisas, as minhas habilidades podiam ser aplicadas. Sendo assim eu comecei a fazer alguns bicos, fazer amigos, admiradores e admiradoras. Quando eu tinha comida eu ia passear pelos arredores da cidade, conheci alguns pastores, algumas pastoras, e geralmente conseguia mais comida... está conseguindo acompanhar?
Fiz viagens em navios, a princípio como auxiliar ou empregado, posteriormente como suposto membro da guarda, ou da corte. Visitei alguns “parentes”, que não via há muito tempo, conheci algumas senhoras que ficavam encantadas com meu gosto para vinhos, meu conhecimento sobre cavalos, meu gosto para música, minha habilidade na dança. Alguns rapazes que tiveram o desprazer de me desafiar em brigas e duelos. Uma vez até me passei por cavaleiro sem estandartes em Ávila, ganhei o torneio, e o coração volátil e solitário de algumas cortesãs.
É engraçado estar na plebe e na corte ao mesmo tempo. Tudo uma questão de adequação. Conheci muitos paupérrimos sofisticados, e muitos nobres fuleiros. E aprendi com todo o tipo de gente, como ser qualquer tipo de gente, ou o tipo exato de gente que qualquer tipo de gente quer que eu seja, ou pareça ser. E assim caminho, quase livremente, pelas ruas baixas e altas da sociedade.
Foi numa dessas idas e vindas, viajando de volta para a cidade do porto à cavalo, numa caravana, que conheci um rapaz engraçado e brincalhão que me divertia com suas histórias. Ele me contou sobre o Armagedom e as regiões circunvizinhas, de onde ele vinha, e o comércio de escravos. Ele vinha fugido, dizia ele, seu nome é Kurumdum, e quando o indaguei sobre como ele tinha feito, a história me parecia incompleta, me parecia que ele escondia algo... Mais tarde, durante a viagem, num vilarejo pelo qual passávamos, paramos numa taverna, e bebemos, lá eu consegui fazê-lo me contar o restante da história. E ele me mostrou. Magia.
Nunca tinha presenciado nenhuma magia poderosa como a que ele usou quando um marmanjo mexeu comigo na taverna por estar dando em cima da mulher dele. De repente eu fiquei grande como um Ogro de Contos de Fadas, e forte como um também, e amassei o crânio do infeliz, sem querer... Ele tinha feito de brincadeira, mas eu matei o sujeito... nada que eu já não tivesse que ter feito antes na vida, mas dessa vez foi diferente, foi melhor.
Eu obriguei-o a ensinar-me seus truques, e ele me ensinou alguma coisa, a teoria, e a partir daí, o surpreendi demonstrando ser um bom aluno. Ainda não sei fazer muitas coisas, mas o básico já me é bem útil, o resto eu complemento com lábia e fugacidade. Eu emprestei um dinheiro a ele, e ele começou um esquema de clube de lutas no porão de uma taverna, lá na cidade. Eu continuei fazendo uns bicos, descolando um pouco mais de grana para minhas farras. A magia tem me ajudado, mas ainda pretendo aprimorá-la. Ainda há muito que fazer no mundo, muitos lugares para ver, e muitas cavernas para desbravar... entenda como quiser.

RPG - Background de Personagem para um multiverso Steampunk

Eu não me rendo aos deuses.
Eu não me rendo a ninguém.
Posso fugir. Mas voltarei no dia seguinte e reclamarei a sua alma se ela não merecer pertencer ao seu corpo! Eu trarei justiça ao mundo. Da forma mais prática: Aniquilando aqueles que dela carecem.
Sou Alvos, Lavos, Slavo, Soval, Vaslo, Volas e Salvo – como fiquei conhecido depois de ter conseguido escapar do Limbo.
Eu perdi tudo que importava para mim, em seis mundos diferentes, por cobiça, prazer, desejos incontroláveis. Em algum momento eu sequer sabia o que eu desejava, mas o impulso se mantinha... Quando recebi a proposta não consegui recusar. Mas agora eu entendo. Agora eu consigo enxergar. Eu ainda tenho algumas memórias de cada um dos mundos e elas atormentam meu sono, seja eu quem for.
E é por isso que não me apego mais. Não me apego a nada. Sou um mero errante que está nos mundos para acertar as coisas. E eu o farei. Enquanto eu permanecer vivo os sete mundos continuarão sendo sete!
Eu fui Salvo! Agora salvarei vocês!

RPG - Background de Personagem para Reinos de Ferro

Nasci no norte, no frio, na noite. Não vou dizer que foi numa simplória noite, não... Calder, Laris e a travessa Artis estavam as três iluminando meu parto. Os mais próximos disseram que elas estavam lá naquela noite por minha causa, se enganaram terrivelmente.
Cresci e vivi dentro dos parâmetros da sociedade nômade que é meu povo. Cumpri meus deveres, e os de outros... Fiz o que devia ser feito. Sempre fiz o que devia ser feito. As minhas tatuagens podem afirmar isso. Minhas tatuagens contam tudo isso. Contam, do jeito que meu povo conta as coisas importantes.
Contudo o fato mais importante de minha história não foi escrito com tinta, mas sim com sangue. Meu próprio sangue. E, ironicamente, pareço sorrir sempre disso.
A espada de Yfill rasgou minha boca, e eu nunca mais esquecerei daquele dia, daquela lâmina, daquele traidor.
Eu tinha descoberto todas as merdas que ele fez, cada uma delas, tinha todas as provas... e ele tinha a força. Poder. Fama. Glória. Tudo falso.
Duelei com ele pela liderança do nosso grupo. Mostrei para todos quem ele verdadeiramente era, mas ninguém quis ouvir. Sou mesmo um babaca. É claro que ninguém ia querer ouvir.
Fui expulso, como deveria ser qualquer um derrotado pelo líder da tribo. Cobri meu corpo com a marca do Exílio.
Fui para Cygnar. Gostei do valor que eles me deram depois de escapar de algumas prisões, e mostrar do que um Nyss é feito. E eles gostaram do material que tinham em mãos e decidiram me dar um lugar em sua guerra. É o que faço, sou bom em matar pessoas. É fácil quando não se tem mais nada a perder, pôr sua vida em risco, sabe? É realmente fácil... não sei se sou eu.
Comecei a acreditar na conjunção das luas como um sinal. E comecei a explorar todas as possibilidades que havia nisso.
Bem, sou Fenae Dilunîae, Sargento Especialista das Forças Armadas de Cygnar, pronto para manchar minha espada com sangue.

Inspiração - Um conto de Solidão

            Não estava verdadeiramente sozinho, não, havia gente para todo o lado, não tantas como de costume, mas o vai e vêm mantinha o recinto, mesmo que relativamente movimentado. Eu saí, esperando ver a chuva.
            Não encontrei. No meu vagaroso caminhar olhava para cima esperando sentir uma primeira gota tocar-me a face. Não senti. A chuva sempre vinha, mas há algum tempo que ela não vem mais. Eu torcia para que ela caísse de repente. Sem avisar, me supreendesse. Mas não o fez.
            Estava decidido a esperar por ela, o máximo que pudesse, ou que aguentasse. Esperei. Dei mais uma olhada ao redor, torci-me todo, e torci também minha esperança começando a pensar se ela não viria mesmo.
            Não sei quanto tempo se passou. E também não queria saber, seria melhor se não soubesse. Preferia apenas acreditar que poderia, depois de tanto tempo, não tanto na verdade, já fui de esperar pela chuva por mais tempo. Mas a ardência em minha pele exigia que ela caísse agora! Eu precisava sentir seu cheiro, precisava sentí-la passando pelos meus dedos, passando seus dedos em mim. Afagando meus cabelos com o frescor natural que sempre teve.
A chuva.
            Tinha de esperar. Sentia que ela viria. Tudo indicava que sim, mas tudo passou a me dizer que não. Não me dei conta dos que me rodeavam por um tempo. Mas passou a ser inevitável não me dar. Os burburinhos aumentavam e tiravam a minha concentração. O tempo pareceu passar tão devagar. Mas pareceu ser tanto tempo.
            Olhava constantemente pelo vidro esperando ver um pingo de chuva. A cada pessoa que passava, esperava vê-la molhada. Por vezes minha imaginação me pregava peças e eu realmente as via molhadas. As vezes todas ao mesmo tempo. Podia até vislumbrar os clarões que eram os relâmpagos. Mas tudo na minha cabeça. Nada disso acontecera de fato.
            Passou-se muito mais tempo, mesmo assim não me importei. Continuei a esperar pela chuva. Queria vê-la mais uma vez. Queria sentí-la mais uma vez. Tocá-la mais uma vez. A chuva. Onde estava ela? Mas por fim ela não veio. E ouso dizer que a chuva, não era mesmo o que eu esperava. Mas nem mesmo ela, a chuva, veio.
Voltei.

Estudo - Cinco Olhos

            Os olhos de Frëdyja não são apenas tristes, são mais que apáticos, são fundos e tenebrosos. As sombras que os recobrem os tingem com as mágoas de diversas chagas. Não se vê nada mais que sofrimento naqueles olhos depressos marcados pelas dores ácidas da aflição.
            Como mel empedrado, suas íris se tingem por completo de um tom ocre pálido e fosco, o único brilho que ameaça cobrir as córneas daqueles olhos maltratados são as lágrimas que porventura se arriscam a aventurar-se junto das incertezas que extravasam de cada canto daquelas assustadoras formas estreitas e apertadas que venho aqui chamar de olhos.
             Eles me prendem numa fascinante introspecção, pois deles não tiro nada, por isso volto a mim e me faço perguntas que apenas eles são capazes de instigar. Perguntas para as quais, poucas vezes, sequer tenho respostas, perguntas que me despem, perguntas que me desarmam, perguntas que me fazem questionar quem realmente sou. São os tristes olhos de Frëdyja!
           Já os de Sandovír são olhos alegres, eles carregam consigo a verdadeira felicidade, angulosos e largos. Uma camada fina de umidade resplandecente é recortada por veios acobreados que correm sob ela unindo-se num emaranhado hipnótico e arrebatador.
            Como a água dos oceanos, são ora verdes, ora azuis, contudo sempre magníficos e misteriosos. São como um mar tempestuoso que draga tudo o que há para seu interior, de forma involuntária são todos cativados por aquelas magníficas jóias. Os raios das tempestades são igualmente representados em suas profundezas alvejando a superfície com lampejos da mais pura esperança e desejo.
              Cada vez que vislumbro estas verdadeiras deidades, sinto um frescor e um sopro renovado de vida a entrar por meus poros e nariz. Vejo neles muitas coisas, que nem os mais sábios de minha raça puderam um dia me dizer. Vejo neles o sentido da vida, vejo neles a vontade de viver, vejo tudo e todos que amo refletidos num novo espectro luminoso que me traz paz e confiança. São estes os olhos de Sandovír!
            Astuto é o olho de Galgorek. Soberbo e extravagante. Centrado e decidido. As pupilas nunca se fecham mais tempo do que o necessário para que se mantenha lubrificado adquadamente e atento às suas tarefas ou às suas presas.
            Como o pelo cinzento dos lobos que caça, é rajado com cores escuras e claras num mosaico radial frio e soturno. Como nas estepes geladas do norte, coisas se escondem atrás de suas cortinas inexploradas e supreendem os desavisados com súbitas afirmações, que, tão logo se parecem verdades, quase nunca se percebe seus engodos. Apenas ilusões.
            Sempre que o encontro me sinto tentado a fazer as coisas que me nego. Ao vê-lo percebo o quanto da vida pode ter sido mentira e sempre me surgem dúvidas que passam a me sobressaltar quando menos espero. Não sei nunca se estou certo, não sei nunca se busco o certo, não sei nunca se sou o certo, e a certeza de estar enganado muitas vezes me lembra do tão esbranquiçado olho de Galgorek.