O mundo permanecia negro num
matiz profundo e opressor. Os astros tinham sido dragados pelas trevas e a
chuva caía intermitentemente, ameaçando parar, entretanto uma nova trovoada
explodia em luz brilhante e ofuscante, e logo o céu desabava outra vez.
De encontro ao mar as grossas
gotas de chuva estouravam na massa d'água que se jogava contra o paredão
rochoso na base da irregular montanha que se erguia como um monstro, uma enorme
serpente escamosa saída das profundezas do oceano tão ameaçadora que, brilhando
com as luzes dos trovões, parecia mover-se e retorcer-se celebrando o caos.
No topo da montanha estava a
fortaleza de Ark'höps, açoitada pelo vento uivante e pela tempestade já
habitual. Suas enormes torres inteiramente fechadas abrigavam algo muito pior
do que um tempestuoso dia, abrigavam os imortais demônios, exilados e
acorrentados magicamente pelos ancestrais conhecimentos descendentes de Ohmân,
o Imaculado.
O universo interior e exterior da
fortaleza se confundiam por conta da interferência que um possuía sobre o
outro. Há anos Ohmân construiu a fortaleza com seus doze discípulos e
encarregou as forças naturalmente bravias que cercavam a imponente montanha
escarpada de gerar a energia necessária para manter resiliente a prisão que
havia criado para os impenitentes demônios, que por sua vez agitavam todo o
cosmos circundante deixando-o ainda mais conturbado, por conta de sua natureza
de caos descomedida.
A única entrada e saída da
fortaleza poderia ser encontrada no topo da montanha no pátio central, cercada
por 8 muralhas, uma mais alta que a outra, sendo a do centro a maior de todas,
atingindo metade da altura das doze torres que possuíam trinta metros. Cada uma
variando de quinze a vinte e cinco metros de espessura de pedra e metal.
As dependências da fortaleza eram
construídas em níveis subterrâneos, sendo o mais baixo o que abrigava as
criaturas mais infames e perniciosas. E era lá que ele estava. As costas curvadas, enrijecidas pelo tempo que foi
forçado a manter a mesma posição de cruz, visto que seus braços, agrilhoados
por pesadas correntes eram mantidos, imóveis, esticados para as laterais de seu
robusto corpo. Suas pernas estavam livres, mas não era possível movê-las por
conta da energia que tinha sido consumida dele.
Sentia frio, mas não conseguia
tremer, fome mas não lhe traziam comida, cansaço mas não dormia. Sua cabeça
abaixada deixava seus grossos cabelos negros cascatearem pela lateral do rosto
ossudo e pelos ombros, exibindo os espinhos que despontavam de cada uma de suas
vértebras e os oito chifres curvos que se retorciam do lado externo de seu
crânio, como uma coroa córnea. Sua pele vermelho-escuro exibia as fibras
musculares tensionadas e inflexíveis refletindo a parca luz alaranjada que era
emitida de orbes flutuantes sobre arandelas.
Não havia uma cela, propriamente
dita, pois não era necessária. Ele
estava detido numa ampla sala sob o centro de um teto abobadado em cruzaria
cujo acesso era possível apenas magicamente, ou abrindo-se um buraco em alguma
das paredes que ele sabia possuírem, em qualquer direção, ao menos duzentos
metros de espessura de rocha sólida, para se chegar a uma queda de não menos do
que quinhentos metros. E por isso estava ali, absorto, observando um ponto fixo
próximo do seu casco direito do enorme mosaico que preenchia o chão, onde um
azulejo minúsculo estava faltando.
Nada mais do que uma vibração, um
zumbido permanente, parecia perturbar a atmosfera da quieta e imutável sala. Por
uma eternidade isso foi tudo o que ele
conseguiu sentir. E esse zumbido o irritava. O mundo o irritava, os homens, a
existência a própria vida e até a morte o irritavam. Talvez agora não
precisasse mais se sentir irritado. Mas o maldito zumbido não permitia que ele
se esquecesse que ainda estava ali, que ainda estava vivo, e criaturas como ele
permanecem vivas até que a tarefa que os tenha gerado seja concluída.
E por conta da tarefa que ele tem a cumprir os Ímpios Cavaleiros
da Ordem Ohmâniana da Fortaleza de Ark'höps o trancafiaram no recôndito de seu
domínio, pois tem o dever de atrasar tal acontecimento.
Mas sabem que nunca poderão
impedi-lo.
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