Sugestões, Pedidos e Dúvidas

Bem, espero que todos sintam-se livres para requisitar trabalhos específicos, sugerir procedimentos de postagem, fazer algum pedido ou tirar qualquer dúvida.

Agradeço pelas visualizações, mas agradecerei ainda mais pela participação no trabalho! Sintam-se livres para comentar e participar da construção das obras que serão para todos nós!

Se não quiserem fazer isso diretamente aqui, em alguns dos posts, há ainda a página no facebook



25 de maio de 2014

História - Hillforts, para pacificar ou controlar? (Última Parte)



Hillforts: Guerra e Simbolismo


            Armit chama a atenção dos autores que desincorporam a guerra do todo social e cultural, apontando o terrível equívoco que seria estudar uma coisa separada da outra.[1] Se a guerra, como os autores afirmam, faz parte, com tanta intensidade, da vida de todos, seria estranho se estas obras colossais estivessem completamente desligadas, ou não estivessem profundamente ligadas a ela, pelo menos no primeiro momento. A sua construção provavelmente serviu para atender a uma forma de fazer guerra muito específico da sua sociedade. E suas fortificações e seus elementos foram sendo alterados conforme sua necessidade ia se modificando, fosse por alterações na forma de fazer guerra, ou outras questões sociais e econômicas.

Celtas enfrentando romanos (meramente ilustrativo)

            D. W. Harding, em sua obra, cita James que confirma nossa perspectiva de que:

"a 'situação padrão' na Idade do Ferro não era nem paz nem guerra, mas insegurança crônica, em que o papel do Hillfort como um impedimento para os agressores, entre suas outras funções, foi, sem dúvida, significativo"[2]

            Este medo deveria se dar também pela naturalidade dos saques que tinham lugar nas terras alheias. Os estilos de combate mais prováveis em sociedades sem estado, como mostra a etnografia e Ian Armit, em seu trabalho, eram as emboscadas e assaltos velozes, envolvendo saques.[3] Por isso, faz sentido que os Hillforts tenham sido erguidos para enfrentar justamente este tipo de incursão militar, já que suas valas e sua posição, normalmente elevada, além das entradas, muitas vezes, labirínticas, impedem que um grupo de homens, se já não for avistado à distância por algum indivíduo dentro do Hillfort, entre e saia dele discretamente e sem maiores complicações.

Funda
            Além disso, é possível extrair dos Hillforts e de algumas evidências arqueológicas a possibilidade de vê-los como uma arma, não só como uma defesa. Uma arma psicológica, uma arma social e política. O tamanho que possuem, a alteração que causam na paisagem, a dificuldade que impõe ao que antes seria um 'simples' saque. Pensar também, que atacar um Hillfort signifique mostrar-se hostil para uma imensa região intimamente relacionada, social, econômico e/ou política e militarmente. Além disso, em diversas sociedades usa-se os corpos dos oponentes derrotados para atemorizar os demais inimigos. Será que os Celtas também não fizeram isso?

"A evidência de Manching, Glastonbury, Acy-Romance, e muitos outros assentamentos sugere que rituais envolvendo corpos humanos - vivos ou mortos - desempenharam um papel significativo nas atividades de assentamento no final da Idade do Ferro."[4]

            Muitas críticas foram feitas ao valor militar que os Hillforts possuíam, como a falta de fontes de água dentro deles, por exemplo. Mas, se pararmos para pensar, um cerco à uma estrutura como Maiden Castle, além de requerer muitos homens para fechar o perímetro dele, exigiria um tempo e uma motivação que talvez eles não possuíssem, pois dependiam da agricultura e dos ciclos de plantio e colheita para terem alimento nos anos vindouros. O Hillfort se apresentava mais como um baluarte temporário, pronto para momentos de crise, do que uma defesa constante, por isso não se preocupar com tamanho preciosismo em sua guarnição. Até por que, as estratégias de guerra não surgem de um dia para o outro... Talvez tenha sido mesmo por conta de ser mal guarnecido militarmente que as mais diversas formas de cerco tenham surgido, e posteriormente começaram a preparar-se melhor para isso.

            Outros Hillforts, especificamente tiveram sua realidade militar duramente questionada, por conta de sua péssima localização, como o de Chesters, próximo de Drem.[5] Ele está abaixo de uma colina próxima, que permitiria que um grupo de fundibulários alvejasse seu interior impiedosamente, porém este e outros Hillforts, podem ter uma função diferenciada, uma questão mais subjetiva que os envolva.

Enterramento: Guerreiro com sua Espada
            Contudo, antes de tratar destas questões devemos pensar também nas possíveis respostas para a afirmativa crítica de alguns autores sobre o fato de haver pouca evidência arqueológica de ataques em Hillforts como apontam, principalmente Bowden e McOmish, descaracterizando sua capacidade militar.[6] Primeiro, utilizando a resposta que o próprio Armit dá em seu texto, parece que tem havido uma má interpretação dos enterramentos, pois as críticas eram que menos de metade das ossadas possuíam traumas graves decorrentes de conflitos massivos. Armit responde, então, fazendo um paralelo com as guerras com os Índios na América do Norte no século XIX, onde não mais do que um a cada três ferimentos deixariam uma marca identificável no osso.[7]

            Uma segunda possibilidade, que não nega a primeira, é que, decorrente de uma cultura, um ritual de guerra, particular destas comunidades, possa criar um cenário onde o massacre não seja um acontecimento tão provável. Por exemplo, Barry Cunliffe em sua obra trata de uma guerra que pode ser travada individualmente, num enfrentamento de "heróis", baseado num escrito de Diodorus Siculus, que descreve dois chefes militares Celtas se enfrentando, mesmo que, posteriormente, ele diga que isso possa ocorrer mais de uma vez, até mesmo dando ensejo a um enfrentamento geral.[8]

Guerreiro em Carro de Guerra
            Retomando a questão subjetiva sobre os Hillforts que tinha deixado de lado; Uma terceira opção, que não nega nenhuma das outras, poderia ser ainda uma real diminuição dos conflitos abertos entre regiões e/ou comunidades próximas, por conta, talvez, de um possível aumento da densidade das redes de relações inter-comunais. Agora que estamos falando da idade do Ferro Média e Tardia podemos considerar o crescimento da movimentação de bens, uma concentração maior de recursos nos centros políticos e econômicos e o surgimento de centros de comércio, de produção e de trocas, sejam eles os Hillforts ou não, e logo redes cada vez mais complexas de interação.
Torque de Ouro
 
            Digo isto, por que talvez aquilo que vimos sobre a formação das elites, que poderiam ser tentativas de uma concentração de poder por determinado segmento daquela comunidade, somado a todas estas transformações que ocorreram basicamente em simultaneidade, tenha sido a conjuntura que permitiu àquela elite se distinguir dos demais segmentos das comunidades. Talvez por conta dos novos contatos internacionais, ou das próprias relações com antigos segmentos da comunidade que tenham se seccionado e passado para uma região de dependência, ou por conta do controle de uma nova forma de manufatura, metalurgia talvez, ou de determinados bens, simbologias, terras...

Conclusão

             Neste artigo, então, tento, através das teorias vigentes, pensar em algumas outras possibilidades para a apreensão simbólica dos Hillforts, considerando que sua faceta militar já esteja mais do que comprovada. Observando os movimentos sociais de elevação de determinadas figuras, as guerreiras, por conta, possivelmente, dentre outros fatores, de um verdadeiro vácuo de poder criado por um desconforto social decorrente do perigo iminente no qual viviam. Pouco a pouco a comunidade deve ter cedido espaço a determinados grupos que coordenaram a defesa da comunidade, ao mesmo tempo que coordenaram uma ascensão social.

            Compreendemos que, neste contexto de disputas internas e de uma certa expectativa de paz, determinado grupo, através do longo tempo de construção dos Hillforts e da apropriação e compreensão de todo seu simbolismo, teve de começar a fazer seus acordos políticos, estabelecer alianças, o comércio estrangeiro. Afinal, se não fosse assim, talvez no tempo de construção de um Hillfort um grupo inimigo massacrasse toda uma comunidade. 
Barbury Castle Hillfort

            E, por isso, os Hillforts foram significativos, não só pela proteção que estava agora se interpondo entre a comunidade e seus inimigos, mas também enquanto construção social e política. Deve ter havido um gerenciamento, especializações, uma mão de obra colossal, uma participação ativa da comunidade na produção de algo comum, que pode ter sido apropriado pouco a pouco pelo espírito comunitário, ao mesmo tempo que pode ter servido de base para uma elevação social de uma pequena parcela da população e uma acentuação da desigualdade no seio da comunidade. 

            Não se deu à toa a disseminação destes Hillforts. Muitos, certamente, não se tratavam de defesas, mas sim de uma demonstração de prestígio, que era o que eles passavam a significar, seja para os outros seja para a própria comunidade e para a elevação de sua motivação.     E não faria sentido que assim fosse se eles não tivessem passado a possuir toda esta carga simbólica, que acreditamos que eles tenham adquirido, sem perder de vista seu valor prático de defesa, de encontro e de dispersão, de controle e de pacificação, através da imposição física e simbólica. Mas a paz não deve ter sido atingida com eles, pelo contrário, é quando surgem as elites que costumam haver as maiores guerras.

            Mas não ousaria afirmar isso.


[1] ARMIT, Ian. Hillforts at War: From Maiden Castle to Taniwaha Pā. Pg. 25
[2] JAMES, S. A bloodless past: the pacification of the Early Iron Age. 2007 (T.doA.) - Trecho retirado do texto do D. W. Harding.
[3] ARMIT, Ian. Hillforts at War: From Maiden Castle to Taniwaha Pā. Pg. 35
[4] WELLS, Peter S. The Iron Age. (T.doA.) Pg. 448
[5] Idem. Pg. 30
[6] BOWDEN, M. & MCOMISH D. The required barrier. 1987 - Retirado do texto do Ian Armit.
[7] ARMIT, Ian. Hillforts at War: From Maiden Castle to Taniwaha Pā. Pg. 32
[8] CUNLIFFE, Barry. Ancient Celts.Pg. 101-102

Nenhum comentário:

Postar um comentário