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18 de maio de 2014

História - Hillforts, para pacificar ou controlar? (Segunda Parte)



Conflitos e Sociedade


"Todas as sociedades possuem padrões intrínsecos de conflito e modos culturalmente específicos de lidar com eles [...] através de várias combinações de violência, submissão, negociação ou fuga"[1]



The Kirkburn Sword

            Não creio que a sociedade estudada aqui seja diferente. É inegável, através dos diversos materiais arqueológicos de cunho belicoso encontrados, estudados e catalogados, como as armas, as panóplias guerreiras, os carros, as estatuetas com motivos guerreiros e as diversas fortificações criadas, que estamos lidando com um grupo de indivíduos que tem em seu horizonte, em grande medida, a guerra.[2]


            Mais do que isso, acredito, assim como Armit e diversos outros autores, que, para estas sociedades, a guerra, ou a sua ideia, fazia parte constante de suas vidas, sem que uma pudesse descolar-se da outra e por isso, talvez, sem que eles conseguissem imaginar um cenário onde ela não estivesse presente. Sendo assim, é fácil supor que comunidades conflitantes buscassem uma forma de viver suas vidas com uma segurança maior, já que fugir plenamente das mais diversas formas de conflito parecia ser impossível.


            Como Peter Wells afirma em seu trabalho[3], talvez toda a energia despendida em preparação e representação militar tenha resultado, ou tenha tido como expectativa de resultado, evitar o real conflito. Isto pode ir ao encontro das teorias de pacificação dos Hillforts, coadunada com as críticas à teoria defensiva/militar que se baseia, por exemplo, na falta de grandes enterramentos e/ou vestígios de massacres ou guerras mais expressivos. Contudo, e é aqui que começam as singularidades deste trabalho, creio que, esta constante tentativa de pacificação, ou, antes mesmo, da manutenção da segurança da comunidade, por iniciativa gradual, e talvez não completamente consciente, da própria sociedade, pode ser o que dá espaço e ensejo para a formação de uma elite social hegemônica, capaz de coordená-la para a efetivação deste desejo comum e dos próprios desejos privados.


Chertsey Shield

            Considerando que Hill tenha razão ao afirmar que as evidências arqueológicas falham em comprovar plenamente as interpretações profundamente hierarquizantes da sociedade celta britânica[4], e afirmando que uma elite dominante ainda não exista de forma consolidada teriam que ser justificados todos os enterramentos ricamente aparelhados nos mais diversos sítios, tidos, pela maior parte dos autores, como provas da existência de uma classe dominante.


            Esta classe à qual me refiro seria representada por um grupo mais abastado, formado principalmente de guerreiros e possuidor de um poder capaz de controlar, julgar e punir, coordenar e explorar de diversas formas os demais membros da comunidade, que passaria a ser ilustrada de forma cada vez mais triangular, no que diz respeito ao distanciamento social, onde um pequeno grupo deteria o poder de decisão e controle, e uma grande massa serviria à manutenção da reprodução não só de si mesmos mas também de tal classe economicamente menos participativa da produção.


            Bem, para responder a esta questão trago algumas sugestões: A primeira delas, se apoia no trabalho do próprio Hill, já que ele afirma, de forma muito lúcida, que nem todas as sociedades na Inglaterra e na Irlanda devem ter pertencido, simultaneamente e/ou da mesma forma, à sociedade praticamente não hierárquica que ele propõe[5], e tenham alcançado uma hierarquização mais ou menos anterior decorrente dos mais diversos fatores. Sendo assim, não é destas sociedades que tratamos, pois elas possuem um conjunto de realizações que as levou a isso, por questões diversas, e que, portanto, as excluem deste modelo que proponho.


The Battersea Shield

            Uma segunda resposta, que se insere em nossa proposição é a de que tais deposições junto aos mortos, em seus enterramentos, assim como as ritualísticas em lagos, rios e outros sítios, não necessariamente indiquem a guerra propriamente dita, nem mesmo o distanciamento social caracterizador das elites, como as definimos, mas uma valorização da figura guerreira que, incluída naquela sociedade num sentimento de conjunto e paridade, mereceu ou poderia ter merecido destaque por conta de ações tomadas em prol da comunidade, como a defesa contra inimigos, ou a expansão do território, ou qualquer outra ação ligada à esta figura e à manutenção da segurança e dos interesses do grupo.


            Deve ficar claro que não proponho aqui uma sociedade pacífica, ou que evitou o conflito, pelo contrário, tento delinear uma comunidade que vive tão plenamente o conflito que qualquer movimento que faça contrário à ele ainda não é capaz de evitá-lo completamente, seja de forma passiva ou ativa. Tanto é que, ademais de todas as iniciativas que foram tomadas ao longo da idade do bronze final, que, provavelmente, acabaram por elevar de certo modo a figura guerreira, a idade do ferro é marcada pela construção de centenas de Hillforts, que, para além de muitas outras funções práticas e rituais, possui a noção clara de defesa, seja da produção armazenada dentro de suas trincheiras, seja da própria comunidade que se resguarda dentro dele em momentos de perigo e ameaça.
River Thames Spearhead


           
           Sigo o raciocínio de Hill no que diz respeito a hierarquização, ou a falta dela: Ele diz que estas comunidades tendem a uma distância social pequena - ele supões que eventualmente a disputa interna ou a instabilidade econômica levassem a disparidades sociais, mas estas desigualdades seriam efêmeras, pois raramente haveriam mecanismos que possibilitassem que uma família mantivesse esses ganhos para seus descendentes ou parentes. Por mais que os membros da comunidade disputassem por prestígio ou riquezas entre si, o poder seguia sendo comunal.



"Estas eram sociedades com líderes (leaders), não governadores (rulers), e provavelmente líderes no plural"[6]



Horned helmet

            Ele prefere imaginar também que a atribuição e acesso aos bens e recursos comunais fossem acordados entre diversos membros das famílias componentes de uma comunidade, embora essas instituições pudessem ser mais ou menos formalizadas de acordo com a comunidade em questão, podendo haver cargos específicos, talvez, mas ainda assim estas responsabilidades seriam conquistadas, merecidas e acordadas com, ao menos um conjunto, ou todos os membros da comunidade, de alguma forma - mesmo que um membro de família seguisse no cargo que seu antepassado conquistara. Desta forma, objetos associados, carregados ou ostentados por um membro da comunidade eram, antes de uma prova do valor pessoal, uma prova do valor comunal.




Bronze boars from the Hounslow Hoard

            É claro então que os conflitos não eram apenas externos, mas internos também, muitas vezes. Por isso é defendido por alguns autores, incluindo o Hill, quase sempre baseados na etnografia,  que, como resolução de muitos destes problemas, a possibilidade de fissão dos grupos exista, quando uma parte quer evitar a submissão a outra, ou qualquer outro tipo de disputa ou dependência no seio da comunidade. [7]


            Tendo isso em vista é fácil supor também que, para além de uma hierarquização interna nas comunidades, uma hierarquização inter-comunal tenha se desenvolvido, já que algumas comunidades melhor alocadas no espaço, com acesso mais fácil a alguns recursos fundamentais, melhor defendidas, ou melhor organizadas tenham conseguido uma autonomia ou uma proeminência militar ou econômica, muitas vezes mais interessante para a reprodução dela e de seus membros, que lhe permitia expandir sua área de influência por outras regiões inóspitas ou já habitadas alcançando outras comunidades que acabavam por se integrar a rede de interdependência destas.






[1] ARMIT, Ian. Hillforts at War: From Maiden Castle to Taniwaha Pā. Pgs. 35-36 (Tradução do Autor)

[2]" Ação proposital de grupo organizado, dirigido contra um outro grupo que pode ou não estar organizado para a mesma ação, que envolve a aplicação real ou potencial de força letal" Ferguson, R.B. Warfare, Culture and Environment. 1984 (T.doA.) - Trecho retirado do texto do Ian Armit.

[3] WELLS, Peter S. The Iron Age. Pg. 417

[4]  HILL, J. D. How did British Middle and Late Pre-Roman Iron Age Societies Work (if they did)?. Pg. 242

[5] Idem. Pg. 257-258

[6]  HILL, J. D. How did British Middle and Late Pre-Roman Iron Age Societies Work (if they did)?. Pg. 255-256


[7] Idem. Pg. 256

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