Eldsjäl - O Vale de Fogo
(Não tenho certeza do título da imagem, e a tradução usada aqui não é verídica)
Estudo literário por Estevão Balado para a Ilustração de Paul Bonner
Era
outono.
O
vento frio começava a minguar a névoa que cobria o solo pedregoso da floresta
alta e densa que atravessavam. A respiração pesada dos anões contrastava com o
leve restolhar das folhas que voavam tingindo a paisagem com degradês
alaranjados. O céu limpo sobre suas cabeças era quase belo o bastante para
fazê-los esquecer de tudo o que aconteceu na noite anterior, mas os olhos
fundos e as expressões sombrias mantinham-se gravadas em seus rostos hirsutos.
-
Tem certeza que não devíamos ter esperado o Humano? - A voz de um deles
arranhou o silêncio, grave e súbita. O outro parou e virou-se para encará-lo
com um olhar de censura. Olhou para o alto, num sobressalto, semicerrando os
olhos, quando um par de corvos voou de um galho em direção ao firmamento e o
disco brilhante ofuscou sua vista.
Instintivamente
ele levou as mãos à faca de caça que carregava no cinto, em suas costas, e
olhou ao redor. Fez um gesto para que o outro continuasse andando e sussurrou
de modo imperativo:
-
Eu disse para que não falasse nada até chegarmos ao rio! Wotan sabe o que faz,
ele já deve estar lá. E eu disse para você que aqui... - Um ruído alto de
arrastar ecoou pelo vale, vindo do topo das altas montanhas que lançavam suas
sombras densas sobre a estria que atravessavam. Um arrepio percorreu a espinha
dos anões, enquanto eles observavam a silhueta de uma gigantesca fera sobrevoar
os penhascos à uma enorme distância do chão.
Roddare
puxou Bjønt para baixo das raízes de uma árvore, seu
rosto denotava seu temor e seu coração acelerado a ansiedade. Ele sabia que um
anão era uma presa fácil para dragões. Por isso nestas montanhas abrigavam-se
dentro delas, em extensas cavernas e túneis, não ao ar livre, como os humanos.
Até porque não possuem os mesmos poderes e bênçãos que eles.
Em
Eldsjäl os dragões foram os senhores por muito tempo, e todos sabem disso, até um
humano chamado Ymir, há muito tempo, derrotar Dragon, o mais antigo de sua raça, e
aprisionar seu espírito, com a ajuda dos sacerdotes anões, nas montanhas do
vale. E, a partir de então, humanos e seus senhores, a quem chamam Hermaður, aqueles que herdam o poder de Ymir, vem
mantendo a cobiça e as garras dos dragões distantes de suas terras e das dos
anões.
Entretanto,
agora que Gudyr, o último Hermaður, havia falecido, estavam todos vulneráveis
novamente à ferocidade e às inconstâncias dos dragões. Portanto os anões vêm
ajudando os humanos a encontrar o próximo herdeiro entre si, pois apenas assim
haveria a esperança de trazer proteção
novamente às sociedades que habitavam Eldsjäl.
-
Vamos continuar andando, e fique em silêncio - balbuciou Roddare, sem emitir
som. Bjønt, completamente imóvel, apertava com tanta
força o cabo de seu machado, que suas juntas empalideceram e suas veias
saltavam pulsantes como vermes sob sua pele grossa.
Eles
se entreolharam, um buscando coragem na força do outro, acenaram resolutamente
com as cabeças, e seguiram seu caminho. Não havia trilha, mas Roddare conhecia
o caminho muito bem. Ele, assim como todos os outros ruivos de sua raça,
possuía uma sabedoria sobrenatural, e, embora a floresta o reverenciasse, a
presença dos dragões era ainda mais formidável e ameaçadora, por isso ali ele
sentia-se exposto.
Não
tardou muito, eles chegaram à uma passagem estreita em meio a algumas rochas e
dali conseguiam ver o quão alto ainda estavam. Viam o topo das árvores lá em
baixo, descendendo irregularmente sobre as rochas até chegarem ao rio sobre o
qual se curvavam. Além dele se avolumava outro paredão de rochas nuas. Juntas,
as duas margens se elevavam e coordenavam
a passagem do rio entre si, formando sinuosas curvas que se perdiam à
distância.
Tudo
parecia calmo. Terrivelmente calmo.
-
Vá na frente! - Murmurou o anão ruivo para seu companheiro, não mais alto que
uma respiração. Bjønt, então, escalou até lá em baixo,
segurando-se em algumas pedras para equilibrar-se. Roddare foi logo atrás, após
certificar-se de que não havia sinal do dragão aqui. A trança ruiva, que
cultivava solitária em sua cabeça raspada, agitou-se, conforme caía de um salto
preciso e silencioso, ao mesmo tempo que Bjønt punha os
pés no chão pesadamente.
~*~*~*~
Wotan
abriu os olhos quando ouviu os passos vindos da floresta. A espada já repousava
em seus joelhos e, portanto, apenas fechou as mãos ao redor de seu punho,
enquanto seu coração voltava a pulsar na velocidade normal. Seus olhos
profundamente azuis miraram as duas figuras atarracadas saírem da floresta com
gotas pesadas de suor constelando a testa de Roddare, e se perdendo na farta
barba de Bjønt.
Aliviado
com a chegada dos anões, Wotan levantou-se. Neste momento os anões se curvaram,
assim como as árvores faziam ali sobre o rio. E, cobertos pelas sombras da
floresta, os três se cumprimentaram. Wotan pediu para que eles se levantassem,
constrangido, e agradeceu por terem vindo. Sua voz soava austera e poderosa,
mas, sua aparência, consternada.
-
Não agradeça, Wotan - disse Roddare. - nós conhecemos nosso dever e viemos até
aqui para cumpri-lo. Está pronto para partir?
-
Espero que sim... - Respondeu, virando-se para observar o rio. - Estive
conversando com meus ancestrais, e eles acreditam mais em mim do que eu mesmo.
-
Sabemos que aqueles que descendem de Ymir possuem capacidades especiais
necessárias para apoderar-se do antigo espírito de Dragon, e as características
que possui fazem de você um ser único entre os da sua raça. - O anão ruivo
apontou para o outro rispidamente em direção ao barco, como quem perguntasse
"o que está fazendo aí ainda?".
-
Mas eu posso não ter força o bastante para controlar o espírito de Dragon
dentro de mim - respondeu ele, virando-se para o anão ruivo novamente, enquanto
o loiro punha seu machado na argola em seu cinto e ia em direção ao bote que
repousava ali, virado de cabeça para baixo, à margem do rio, escondido sob uma
rocha saliente.
-
Minha raça, e meus irmãos estamos aqui para ajudar-te nessa tortuosa
empreitada. Você se tornará mais forte, uma vez que Dragon esteja em você. Você
pode achar que seu corpo é fraco, e talvez ele até seja, mas um espírito como o
seu há de ter a força necessária para superar o do antigo dragão, e então seu
corpo se tornará tão forte quanto o dele um dia foi, somado à força de todos os
Hermaður
antecessores a ti. Vejo que trouxe a espada, onde está o restante
do equipamento?
Ele
apontou para uma pedra próxima de onde estava sentado antes, e lá estavam a
antiga armadura, a bainha da espada e o escudo de Gudyr.
-
Vista-as - disse o anão, mais em tom de recomendação do que de pedido. - Grænteldur
está sobrevoando a região... deve estar caçando. Além do mais, trols e ogros
devem estar rondando pela floresta também.
-
Imagina o quão tolo seria, se o futuro herói de nossa região fosse morto antes
de completar seu destino por um estúpido ogro? - Caçoou o anão barbudo.
Wotan
concordou com a cabeça e aparamentou-se enquanto Bjønt
empurrava o bote rio adentro. Vestiu a cota de malha sobre o manto acolchoado
que trajava, amarrou o cinto da espada por cima dela, em sua cintura, pegou o
escudo, e respirou fundo. Roddare já estava dentro do bote segurando os remos,
enquanto Bjønt esperava por ele.
-
Vamos garoto! - Disse.
Ao
entrar, sentiu a embarcação balançar. Sentou-se, e observou Bjønt
terminar de empurrá-la para dentro do rio, para, só então, quando já tinha a
água pelas canelas, saltar para dentro do bote e Roddare estar livre para começar
a remar. E gradualmente se afastaram da margem, seguindo a correnteza.
-
Conecte-se ao mundo espiritual... - disse Roddare. - Quando chegarmos lá você
será recebido por Dragon, e precisará estar bem solidamente ligado ao seu
espírito para que, contra o espírito dele, tudo possa funcionar corretamente.
Os
altos paredões rochosos elevavam-se de ambos os lados, comprimindo-os entre
eles. O anão remava calmamente observando o rosto de Wotan que havia fechado os
olhos e começado a meditar novamente. Bjønt estava atrás
dele, e segurava seu machado olhando para o alto, perscrutando a imensidão.
-
Você acha mesmo que esse é o certo? - Perguntou Bjønt em
dado momento, quando já estava seguro de que Wotan não podia ouvi-lo.
-
Há de ser - respondeu Roddare.
-
Ele me parece ainda mais idiota do que os outros que trouxemos antes dele.
-
Não é a força bruta dele que fará diferença, tampouco a agudeza intelectual.
Nunca foi. É o espírito dele que deve ser forte.
-
Os ruivos e essas histórias dos espíritos... Mas, se ele sequer acredita que
ele pode, como quer que eu acredite, então?
-
Não era você o anão que estava comigo ontem? - Interrompeu-o Roddare,
ironicamente - Acaso já tinha visto ser humano mais arrogante do que o que
trouxemos ontem aqui? E ele foi destruído pelo poder de Dragon. Se a questão
fosse acreditar em si mesmo, certamente já teríamos um novo Hermaður. A questão é conhecer-se.
Conhecer suas limitações, suas capacidades, compreender-se...
-
Ora, mas por que funcionaria com este garoto qualquer, se não funcionou com os
próprios descendentes de Gudyr?
-
Caráter e força de espírito não são coisas hereditárias como terras, força
física, cor dos cabelos... Assim como os ruivos surgimos aleatóriamente, os
Altos Espíritos também o fazem, sem distinção de estamento ou qualquer outra
coisa.
-
Mas ele...
-
Fique quieto e pare de fazer perguntas! - Esbravejou Roddare, tentando
controlar o tom de sua voz. - Há de ser
ele, e você há de acreditar nisso! Nosso tempo está acabando e se não
encontrarmos outro Hermaður depressa os dragões, e as demais criaturas vão
atravessar o rio como já fizeram algumas vezes, no passado, para matar,
destruir e pilhar... Contudo, desta vez já estamos fracos demais para nos
defendermos, e teremos que deixar Eldsjäl...
Bjønt arrepiou-se ao ouvir isso. Ambos permaneceram quietos o
restante da viagem, escutando o som dos remos entrando e saindo das águas
calmas do rio, e os pássaros sobrevoando o vale, bem alto. Até que, logo após
uma curva abrupta das montanhas, depararam-se com um pilar de pedra destacado
delas, isolado no meio do rio, coberto com o mesmo tipo de gramínea alaranjada
que o restante das pedras soltas, próximas dos paredões, também exibiam.
Nele,
um escudo e um chifre de beber repousavam, alguma oferenda antiga ao espírito
de Dragon. Na parede logo atrás do pilar estava esculpido em baixo relevo uma
imagem da fera que o guardava, posta na sombra de uma árvore frondosa que se
debruçava sobre algumas rochas soltas, empilhadas por ali por conta de algum
deslizamento passado.
-
Não deve tardar muito, agora - Comentou Roddare observando as pálpebras de
Wodan em intensa atividade e gotículas de suor começando a formar-se sobre sua
testa. Contudo, um estalido rompeu o silêncio e Wodan despertou sobressaltado,
segurando-se na beira do bote, fazendo-o balançar violentamente. Os anões se
agarraram também, assustados.
-
Ele... é muito... forte! - Exclamou, arfando.
Outro
estalido ecoou e dessa vez Bjønt gritou.
-
Olhe ali! - Ele apontava para o alto da árvore. Roddare cobriu os olhos com uma
das mãos, enquanto segurava os remos com a outra. E ainda antes de distinguir a
silhueta da criatura que se esgueirava no alto de um dos seus galhos, algo veio
despencando aos saltos pela parede da montanha e aterrissou pesada e
ruidosamente no topo do pilar. Pedrinhas acompanharam o movimento e caíram no
rio, com sons suaves e abafados.
Wodan
ergueu-se sobressaltado, espada e escudo nas mãos, Roddare acompanhou com o
olhar o movimento da criaturinha escanifrada que saltou da árvore para se
alojar ao lado da maior, apoiando-se no cabo da arma que trazia.
-
Ogro... - Rosnou Bjønt enfurecido, erguendo seu machado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário