Depois
de tanto caminhar, eis que recosto-me finalmente e descanso... A hospedaria estava
cheia de viajantes e leito já não havia para mim, quando indaguei ao Pepe. Mas,
graças a Deus, que deve ser louvado a cada um dos passos que dou nesta trilha
que escolheu para que eu seguisse, consegui
um agradável lugar para dormir esta noite, na casa dos parentes de um
companheiro que tive o prazer de conhecer, em uma missa que fizemos na capela
de Redondela. Seu nome é Tiago, como o apóstolo à cuja catedral me dirijo.
E
agora mesmo perturbo alguns deles com meu arrastar de pena, com o retinir da
ponta no tinteiro, e com a tênue luz da vela, que eles insistiram em afirmar
que eu poderia deixar acesa. Faz quatro dias que saí de Viana, vim pelas bandas
de Caminha, para aproveitar e visitar alguns dos meus, em Carreço, e dali segui
direto para Valença, onde peguei a ponte e cheguei à Galiza, terra verde e
abençoada, dos nossos antepassados.
Por
sorte há muitos peregrinos nas estradas nesta época do ano, tantos quantos
pássaros nas árvores, ou anjos no céu. Graças à deus não peguei nenhuma chuva,
mas o tempo ameaça fechar, com ventos fortes vindos d'além mar. Por isso
andamos muito este dia de hoje, que é uma sexta feira e ainda pudemos assistir
à missa na igreja de Santa Mariña, onde estamos. Assim chegaremos à Santiago ao
anoitecer do próximo dia, e com sorte celebraremos juntos a gloriosa missa de
domingo, em Santiago de Compostela.
As
estradas tem estado boas, as hospedarias aconchegantes, e os companheiros de
viagem vem e vão, pois nem todos aguentaram nosso ritmo e ficaram em Caldas de
Reis, mesmo. E com sorte conseguirão percorrer o último trecho num dia só, com
a benção do senhor e dos santos desta terra.
Mal
posso esperar para ver a magnífica moradia de nosso senhor em Santiago. Ouço
falar maravilhas do lugar, dizem que a água que se bebe lá é capaz de recuperar
as forças do peregrino mais cansado. Certa vez, contou-me meu avô, quando eu
era bem pequeno, que um companheiro de pesca seu, quando havia ido à Santiago
de Compostela - Louvado seja o Senhor - percorreu a estrada de Viana até lá em
apenas um dia e meio, sem dormir, ou descansar.
Envergando
o sagrado manto do peregrino, apanhou uma bengala, prendeu à ela um guizo e,
caminhando, sem nada que lhe protegesse os pés, atravessou estradas e pontes,
rios e lamaçais, até chegar à Catedral Majestosa e abençoada, onde da água
benta bebeu, e todo seu cansaço foi curado, e as bolhas de seus pés no outro
dia já não estavam lá, e revigorado rezou durante todo o dia, retomando a
estrada de volta para Viana no dia seguinte. E cá chegou, com a benção de
Santiago, Deus, todos os Santos e a Virgem, que intercede por nós.
Louvado
seja o senhor.
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