Recentemente o Rio de Janeiro
teve seu sentido drasticamente alterado para mim. A minha percepção sobre a
cidade mudou, meu desejo de estar nela, minha vontade de caminhar por suas ruas
e ver as coisas pelo lado de lá... Motivos existem, motivos sempre existiram,
mas não os motivos de agora.
E, talvez, estes tenham me feito
querer sentar hoje de frente para lá. Não são meus melhores dias, mas com
certeza também não são os piores. Estou naqueles onde coisas muito boas, muito
mesmo, e muito ruins, de verdade, acontecem ao mesmo tempo e você não sabe bem
ao certo o que está se passando com você. Acho que é em momentos como estes que
as mentes mais desvairadas pensam sobre conspirações... eu tenho pensado sobre
isso.
Mas fui sentar de frente para o
Rio. Deixei de lado as conspirações. Queria respirar, ver o mar, as gaivotas,
pensar na vida... Apenas isso, entre um momento e outro de trabalho. Sonhar um
pouco, sem precisar dormir, embora dormir também não fosse uma má ideia.
Havia um banquinho lá, e alguns
outros, como de praxe, ocupados por velhinhos e casais, atarefados com suas
infinitas possibilidades de ser. E havia o meu banquinho. Nunca tinha sentado
ali antes, pois, afinal de contas, os motivos que me levaram a sentar lá hoje, antes
não existiam. Mas sempre existiram para os velhinhos e pros casais.
Sentei e cruzei as pernas. E o
horizonte, que não era o Rio... me fez pensar.
Como podem ver, não era o Rio,
eram apenas o mar, o céu e as barras de ferro. Acabei por ignorar as milhares
de possibilidades simbólicas para as barras de ferro e me concentrei no que
elas estavam fazendo ali, naquela altura, cobrindo o Rio que eu tinha ido ver.
Horizontais e paralelas, cobrindo tudo. Eu me certifiquei de estar sentado
corretamente, eu não sou alguém baixinho, e supus, então, que a maior partes das pessoas
que sentasse ali não conseguiria, de fato, ver o Rio.
E como a vida é cheia de
coincidências, uma série de obras de arte que havia visto no dia anterior... no
Rio inclusive, me fez pensar sobre aquelas linhas horizontais. Eu não teria
pensado sobre tudo isso se o Rio não tivesse sofrido toda essa alteração de
significado para mim, mas se fosse assim eu também não estaria sentado ali,
logo não pensaria sobre nada disso de qualquer forma. Mas não é o caso, a vida
tem disso, e por isso pensei.
As obras a que me refiro são de
Milton Machado, eram quadros onde a pintura em questão era segmentada por
linhas vazias, um listrado de arte e vazio, que naquele contexto se fazia arte
também. E eu comecei a questionar as horizontais que cobriam aquela paisagem
que eu almejava alcançar. O Rio.
E acho que compreendi, em parte, as obras
do artista, quando me movi para baixo e vi uma nova paisagem, já que elas falavam sobre ser mais fácil conhecer quando não se possui a visão do todo de uma só
vez. Ali, naquela posição, as mesmas linhas
passavam a cobrir agora outras coisas e revelar um novo universo de
possibilidades.
Até então pensava em todos os
bons motivos que me faziam buscar o Rio. Mas, ali, curvado, comecei a pensar
nos motivos tristes que me faziam buscar a contemplação e o silêncio. As brigas
e discussões, a descortesia, a insensibilidade para se dar conta das mais
diversas formas de ver. A dependência desta rigidez que me assalta
eventualmente.
Me dei conta ali, naquele
momento, que achar-se justo nem sempre significará o ser. Que defender o
perfeito, pode estar equivocado. Que achar-se bom, faz de ti um merda. E que ainda preciso aprender muito sobre a sutil
diferença entre o momento certo de brigar e o de ceder.
Arqueado sobre as pernas, apoiado
nos braços, observando o horizonte, aquele que eu buscava inicialmente, dei-me
conta da arrogância que foi, sentar-me ali, naquele banco, por onde passo todos
os dias, admirando aquela mesma paisagem por cima das grades, sem dar a importância devida.
A arrogância de sentar nos
aconchegantes e companheiríssimos assentos daqueles velhinhos e casais. Eu, com
meu soberbo desejo de ver o Rio, recém descoberto por mim, ocupando os lugares de
costume daqueles que já os frequentam há tanto tempo. Ali me dei conta, que o
mínimo que eu podia fazer, ao sentar-me num daqueles bancos desejando algo, era curvar-me.
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